Projeto de Lei que propõe abstinência sexual em SP é retrógrado e ineficaz – Por Isa Penna

Programa “Escolhi esperar” é a cloroquina para gravidez precoce

Foto: Alesp
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Por Isa Penna *

Uma nova ofensiva conservadora ameaça crianças e adolescentes da capital paulista. Agora, parte dos recursos destinados à sua educação e saúde pode ser empregado para fazer com que a abstinência sexual seja adotada como método contraceptivo.

Isso é o que propõe o PL 813/2020, protocolado pelo vereador Rinaldi Digilio (PSL), e que será votado pela Câmara Municipal de São Paulo nesta semana, com apoio do atual prefeito da cidade, Ricardo Nunes (MDB). Segundo a Prefeitura, a medida ter caráter técnico e é endossada pela Secretaria Municipal de Saúde.

A proposta visa a instituir um programa permanente chamado “Eu escolhi esperar”, que incluiria palestras aos profissionais de saúde voltadas para implementação do programa, exposição e divulgação de material explicativo destinados aos adolescentes e "monitoramento de possíveis casos para avaliação e cuidado", sem explicitar quais casos seriam estes e qual abordagem receberiam. 

Qualquer pessoa tem o direito de seguir suas próprias convicções, inclusive a decisão de se abster de fazer sexo. O problema é transformar uma escolha individual, ou uma escolha religiosa coletiva, em uma política pública da prefeitura da maior cidade do país.

Em primeiro lugar a proposta ignora totalmente que a principal causa de gravidez precoce no Brasil é o estupro de vulneráveis. Segundo o Laboratório de Demografia e Estudos Populacionais da Universidade Federal de Juiz de Fora[1], entre 2011 e 2016 foram identificados mais de quatro mil casos de estupros entre meninas de 10 a 19 anos que não interromperam as gestações provocadas pelas violações. 68,5% das meninas de 10 e 14 anos foram estupradas por familiares ou parceiros íntimos, e em 72,8% dos casos, a agressão possuía caráter repetitivo. De acordo com o DataSUS, o total de estupros cresceu 50% entre 2015 e 2018, de 29.979 para 45.219; com um aumento proporcional entre meninas de 10 a 14 anos (48%), sendo que atualmente, cerca de 20 mil meninas mantêm gestações resultadas de estupro por ano no Brasil.

Em segundo lugar, a abstinência como política pública de prevenção à gravidez precoce não foi eficaz onde foi aplicada e ainda provocou aumento de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis). Em uma ampla revisão publicada pela Universidade de Oxford[2] em 2007, baseada em 13 estudos norte-americanos realizados com mais de 15 mil pessoas de 10 a 21 anos, foram comparadas estratégias de aconselhamento para abstinência versus nenhuma intervenção ou uma outra intervenção de controle. Ao final da avaliação, nenhuma diferença foi encontrada nos relatos de atividade sexual, IST e gravidez, sendo que um estudo mostrou que as taxas de gravidez e IST foram maiores no grupo submetido a estratégias de abstinência.

Com o objetivo de combater tamanho retrocesso, entidades e organizações de mulheres estarão reunidas no dia 17 de junho em frente à Câmara Municipal, para protestar contra o PL 813/2020. Venha à manifestação e ajude a fortalecer os dispositivos já existentes para informação de adolescentes garantidos pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), pela cartilha do adolescente e pelo plano municipal de saúde – esses, sim, baseados na ciência, em dados e pesquisas sobre o tema.

*Isa Penna é deputada estadual em SP (PSOL).

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum


[1] https://www.ufjf.br/ladem/2020/08/21/barreiras-ao-aborto-legal-mais-de-20-mil-meninas-mantem-gravidez-resultado-de-estupro-por-ano-no-brasil/

[2] http://news.bbc.co.uk/2/hi/health/6927733.stm