Por Bruna Biondi, Fernanda Gomes e Paula Aviles *
Samuel Klein é conhecido como o “Rei do Varejo”, identidade construída pela famosa história de self-made man que passou de vendedor de cobertores a dono das Casas Bahia. Em São Caetano do Sul, onde fez a primeira loja da rede, ainda se adiciona a essa imagem certa mitificação feita tanto pelo dinheiro que distribuiu em obras e equipamentos do município quanto pelo helicóptero que tantas vezes vimos sobrevoando o céu da cidade, exclamando com admiração: “olha lá o dono das Casas Bahia!”.
O que poucas pessoas sabem, no entanto, é que muitas das vezes em que viram esse helicóptero, ele estava carregando vítimas do esquema de abuso sexual de Klein. Movimentando alguns dos funcionários de seu próprio negócio, o magnata aliciava meninas com idade entre 9 e 17 anos de idade para que lhe fizessem visitas em troca de presentes e dinheiro. Os relatos vieram à tona após matérias da Agência Pública e do Universa.
Inicialmente, Samuel se aproveitava do encanto da vítima com os presentes - que iam de pares de tênis a eletrodomésticos - para interações “menos agressivas” como abraços, beijos e carícias nas nádegas e seios (que, na maioria delas, nem tinham acabado de se formar). Com isso, conseguia fazer com que essas meninas se sentissem impelidas a voltar para novas visitas, tanto pelo constrangimento quanto pela sensação de gratidão forçada. Muito jovens e ingênuas, elas, de fato, não sabiam reconhecer o abuso, apesar do mal estar que sentiam ao sair da sala de Klein. Apesar disso, ele ainda conseguia convencê-las a chamar amigas da mesma idade para o esquema de visitas e “presentes”, afinal, o que não faltavam eram meninas em vulnerabilidade social.
Ao lado de sua sala ainda havia um ambiente preparado para os abusos sexuais, com cama e tudo. Segundo o relato de uma vítima, que foi aliciada aos 9 anos de idade, foi nesse local em que ela foi estuprada pela primeira vez. Mas esse esquema de “pirâmide” de aliciamento e abusos não se limitou à salinha localizada na sede das Casas Bahia. Klein também utilizava seus iates e casas espalhadas pelo litoral paulista para organizar festas – das quais existem, inclusive, registros em vídeo - e orgias com as vítimas. Pelo relato de ex-funcionários, o número de meninas presentes nesses eventos era grande. Sempre muito jovens ou, quando maiores de 17 anos, eram orientadas a mentir a idade e agir como criança, para agradar o pedófilo. Samuel ainda tinha obsessão por meninas virgens que tivessem em torno de 12 anos de idade, presenteando-as com mundos e fundos para que silenciassem sobre os estupros e se mantivessem atadas ao seu esquema.
Os depoimentos das vítimas são de arrepiar. Algumas delas depois de adultas buscaram ajuda jurídica, mas passam por dificuldades para terem seus casos devidamente julgados por conta da prescrição do crime. Muitos desses relatos, então, estão vindo à tona por meio de matérias jornalísticas, que cumprem a função de dar voz às denúncias dessas vítimas. É o caso de Karina Carvalhal, que foi citada acima como a criança estuprada por Klein aos 9 anos de idade. Depois do ocorrido, a menina se tornou mais uma vítima do esquema, abandonando os estudos e se tornando dependente química por quase 10 anos. Ela somente se livrou do vício em crack e da dependência de Klein quando engravidou de um namorado, aos 19 anos. Seu depoimento vem junto ao de sua irmã, Vanessa, que tinha sido atraída ao esquema de abusos aos 12 anos de idade e conta sobre os angustiantes momentos que viveu em orgias forçadas com o velho em seu iate, para onde ele levava em torno de 8 meninas por vez, revezando-as em dois turnos em que as forçava a “cuidar” de cada parte de seu corpo, incluindo sexo oral e vaginal sem preservativo com as mais novas. Vanessa conta que a gota d´água para que conseguisse se desvencilhar de Samuel Klein veio quando, já adulta e trabalhando em uma de suas lojas, o velho lhe prometeu um cargo mais alto na empresa se ela se negasse a participar do processo coletivo que outras mulheres moviam contra ele e… se ela lhe trouxesse sua filha de seis anos de idade.
Vanessa e Karina são duas das poucas mulheres que conseguiram se demover da dor e da vergonha para falar abertamente sobre o que passaram. Muitas das vítimas de Samuel Klein tiveram a vida tão profundamente abalada pelo trauma que nunca conseguiram chegar nem mesmo a isso. Uma delas - ao menos a que temos relato - não aguentou e se suicidou. Para além dos abusos físicos, essas meninas tiveram o psicológico devastado pelo que foram submetidas. Vanessa conta que a rotina de alternância entre presentes e estupros causavam em sua cabeça de menina a sensação de que ela sempre estava devendo algo a Klein. Certamente isso explica bastante sobre como ele mantinha essas meninas por tanto tempo atadas ao seu esquema.
Samuel Klein manteve essa atividade criminosa até seus últimos anos de vida, quando, já bastante idoso, contava com a assessoria de um enfermeiro, que lhe aplicava injeções de Viagra antes dos atos sexuais. Infelizmente, seu esquema de abusos não acabou com a sua morte. Segundo denúncias, seu filho, Saul Klein, “herdou” a atividade. Atualmente, a linha de defesa dos advogados de Saul é dizer que o cliente é “apenas” um grande sugar daddy. Mas não é o que denunciam as suas vítimas. Está claríssimo que Saul segue os mesmos passos do pai e parece até mesmo os ter aperfeiçoado, construindo um histórico de abusos tão criminoso e nojento quanto o do pai.
Temos em São Caetano algumas homenagens para Samuel Klein: o nome de uma rua e de uma UBS. Nós, das Mulheres por + Direitos (PSOL), mandato coletivo de mulheres na Câmara Municipal, estamos lutando com iniciativas legislativas e nas ruas pela mudança desses nomes. A rua deverá passar a se chamar 8 de março e a UBS ganhará o nome da primeira médica negra do Brasil, Maria Odilia Teixeira. Infelizmente, os corredores do poder, em sua maioria homens, ainda não aceitaram a mudança porque, afinal, como não homenagear “o que ele fez pela cidade”? Nada de novo sob o sol do patriarcado, mas nossa luta não vai parar até que não reste nenhuma homenagem a Samuel Klein!
*Bruna Biondi, Fernanda Gomes e Paula Aviles fazem parte do mandato coletivo Mulheres por + Direitos, de São Caetano do Sul.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.