Inclusão tecnológica e cidadania digital – Por Neudes Carvalho

Se o conhecimento e a tecnologia serão os grandes bens imateriais da nova realidade, é disso que temos que nos apropriar. A periferia precisa estar no protagonismo, inclusive para explorar as potencialidades sociais da tecnologia

Foto: Rio On Watch
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Por Neudes Carvalho *

A revolução tecnológica é uma realidade. Das coisas mais simples do cotidiano, passando pelos estudos, projetos profissionais e pelas próprias relações humanas, quase tudo o que vivenciamos hoje é intermediado pela tecnologia. Ter acesso e domínio dessas tecnologias disponíveis não é, portanto, um luxo – é algo essencial para que estejamos inseridos no protagonismo, e não apenas à margem dessas mudanças profundas pelas quais o mundo está passando. Essa pandemia tornou isso ainda mais evidente.

Essa revolução tecnológica é também uma revolução no modo como as coisas são produzidas e em como as relações de trabalho se organizam: a automação e a internet estão mudando a cara da nossa sociedade e criando mecanismos que antes não existiam. Há algo de bom nisso que pode ser explorado, como por exemplo as possibilidades de maior autonomia nos próprios negócios com o acesso gratuito às redes e contato direto com clientes. Isso pode se dar em todos os setores: dos cursos aos serviços e trabalhos artesanais. Mas há o lado ruim: o alto custo dos dispositivos no Brasil e a ausência de investimentos públicos em projetos e formação dessas novas habilidades acaba tornando tudo mais difícil, sobretudo, nos territórios periféricos.

Se o conhecimento e a tecnologia serão os grandes bens imateriais dessa nova realidade, é disso que temos que nos apropriar. A periferia precisa estar no protagonismo desse processo, inclusive para explorar as potencialidades sociais da tecnologia. Há inúmeros exemplos de como podemos usá-la para a resolução dos problemas sociais historicamente enraizados: combate mais efetivo ao racismo, à violência contra a mulher, à violência contra pessoas LGBTQIA, promoção de campanhas em prol da tolerância ou mesmo para a resolução de questões estruturais e complexas como é a falta de saneamento no Brasil. 

Na cidade de São Paulo, a exclusão digital é um grande problema a ser enfrentado. Existe uma Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia (criada pela lei 16.974 de 2018), que tem como atribuições ampliar a participação no desenvolvimento (capítulo I, artigo 3), promover a inclusão (idem) e “disseminar o uso de tecnologias que contribuam para o desenvolvimento econômico” (idem).  Mas sabe-se que esses objetivos estão muito longe da realidade atual.

Em maio de 2020, um relatório da Unicef mostrou que 4,8 milhões de brasileiros e brasileiras na faixa dos 9 a 17 anos não possuem acesso à internet. Isso tanto na zona rural quanto urbana. Importante ressaltar que os jovens costumam ser os que têm mais acesso aos dispositivos e à internet. 

Em outubro de 2019, o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) publicou o estudo “Desigualdades Digitais no Espaço Urbano: um estudo sobre o acesso e o uso da internet no Estado de São Paulo”, que revela que a incorporação das tecnologias da informação e comunicação (TIC) tem ocorrido de forma desigual nas regiões da capital paulista.

Feito a partir de dados coletados pelas 32 subprefeituras da cidade, o estudo conta com uma metodologia interessante que muda a ênfase do mero acesso às tecnologias para os resultados que isso traz para a vida das pessoas. Afinal, o acesso é o primeiro passo fundamental, mas não basta. O estudo conclui que as oportunidades abertas pelo mundo digital precisam de mais elementos – ou seja, de projetos coletivos e investimentos – para estarem acessíveis para todos. Nesse sentido, é preciso pensar além das iniciativas individuais.

Essa nova realidade traz, portanto, novas exigências: hoje qualquer projeto educativo e profissionalizante precisa nos ensinar a aprender (“aprender a aprender”) e incentivar a criatividade. As produções artísticas passam a ter um papel crucial nesse processo e os projetos culturais passam a ser alternativa para a manutenção de empregos que não serão realizados por máquinas. 

Pensar nesse futuro que está batendo na nossa porta, nessas transformações e nessas novas exigências é, portanto, pensar também em meios de usar novos recursos para resolver nosso passado negligenciado; é pensar que são nos territórios periféricos que podem estar as habilidades mais importantes que precisam ser incentivadas. É pensar que educação e conhecimento passam a ser como nunca sinônimo de desenvolvimento e autonomia. 

*Neudes Carvalho é pesquisadora sobre o futuro do trabalho, vice-presidenta do Diretório Municipal do PDT e presidenta do Movimento Negro do PDT Municipal de São Paulo.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.