Por Deivi Kuhn*
Já abordamos neste espaço os diferentes mecanismos utilizados para obter nossas informações[1]. O fato é que nosso telefone é rastreado a todo instante. Mas você sabe por quantas empresas? Convido o leitor a fazer uma estimativa, um número e anotar. Vou ajudar vocês a verificar com quem estão compartilhando sua localização, seus deslocamentos e hábitos.
Inicialmente é importante esclarecer que, utilizando um celular normal, desses comprados no mercado brasileiro, não há como evitar que algumas empresas monitorem nossa localização e a compartilhem com outras organizações e governos. As fabricantes dos celulares podem incluir qualquer software e, portanto, podem estar monitorando seus consumidores. Quem produz o sistema operacional, tanto a Apple quanto o Google, também está fazendo isso. Outro ponto de monitoramento são as operadoras de telefonia, que armazenam dados de conexão de suas antenas que permitem determinar a sua localização.
Se quiser verificar o que as empresas sabem de você é só acessar as opções abaixo, lembrando que podem ocorrer pequenas variações conforme o modelo utilizado:
https://www.google.com/maps/timeline
No aplicativo Google Maps, na opção “Linha do Tempo”.
No Iphone, em “privacidade”, “Serv. Localização”, “Serviços do Sistema”, “Locais Frequentes”.
https://www.facebook.com/location_history/view
Entretanto, há outras empresas acessando nossos dados de localização. Vou descrever alguns procedimentos para descobrir com quem você está compartilhando essas informações e como alterar as autorizações. É importante saber que ao mudar uma permissão, é possível que haja algum impacto nos aplicativos. Ao aumentarmos nossa privacidade provavelmente perderemos algumas funcionalidades e, por vezes, algum aspecto de segurança.
Tanto os telefones que rodam IOS como Android possuem nas suas configurações a opção “Localização”. Nela podemos ver uma lista de ferramentas que acessam os dados coletados pelo telefone. Esteja atento para o fato de que todas essas organizações podem ter o mapa completo dos seus deslocamentos. Sim, é isso mesmo!
Com certeza você ficará espantado com a quantidade de aplicativos. Nessa tela é possível alterar as permissões, negando e, em alguns modelos, autorizando o acesso apenas quando ele for executado.
Você provavelmente não entenderá porque vários aplicativos acompanham nossa localização, como alguns de notícias, vendas, encontros, bancos, pagamentos e muitos outros. Procure negar o acesso de qualquer um que necessite acessar sua localização.
Nossa própria integridade física pode ser ameaçada por esse tipo de autorização. Conforme a Pastoral da Terra, em estudo realizado em 2019[2], o número de assassinatos de líderes rurais e indígenas aumentou de maneira significativa no nosso país. O que impede que um dos mandantes destes crimes não crie um aplicativo, recolha a localização dos seus adversários e com isto estabeleça o melhor lugar de uma emboscada?
Se você pensa que resolveu seu problema removendo a autorização dos aplicativos, infelizmente não tenho uma boa notícia: não. Verifique no seu dispositivo se a localização está compartilhada com outra pessoa. Cada modelo apresenta essa opção em um lugar diferente; sugiro que iniciem a pesquisa na opção “Privacidade”.
Outra possibilidade é que um aplicativo realize esse acesso por meio de outro que foi autorizado.
Vamos verificar agora o seu navegador de internet. No seu celular, abra o Firefox e vá no menu configurações e permissões de site. Todas as opções devem estar configuradas para “Perguntar se deve permitir”. Acesse exceções e veja a lista de portais que possuem direitos especiais sobre seu dispositivo. Aproveite e faça o mesmo no seu computador.
Como assim? Você só utiliza Chrome ou Safari? Lamento, mas eles possuem o código fechado e não há como garantir que não tenham outras formas de compartilhar suas informações. Faça um favor para o mundo e instale agora mesmo o Firefox ou alguma outra opção em Software Livre, como o Chromium, Duck Duck, Go Privacy Browser ou Tor Browser. Inclusive é uma boa ideia utilizar mais de um navegador para segmentar seus acessos, pois evitamos que um site utilize informações armazenadas por outro nos chamados cookies. Sim, esse termo bonitinho é uma maneira de armazenar seus dados para acesso posterior.
Vamos verificar agora quais empresas buscam dados via Facebook. No celular há um botão com três traços que dá acesso ao seu perfil pessoal, bem no final temos “Configurações e privacidade”. Acesse “Atalhos de privacidade” e verifique quais aplicativos possuem acesso aos seus dados. É possível ainda desabilitar o acesso do Facebook a localização e apagar o histórico já coletado.
Para diminuir o risco de acessos indevidos aos nossos dados, algumas práticas são recomendadas. Instale o mínimo de aplicativos e remova os que não são necessários. Aqui, menos é mais. Outra prática importante é priorizar o acesso via navegador, em vez de instalar um programa próprio. Facebook, Instagram e outros, foram construídos de forma otimizada para acesso via Web e, por essa via, dependem do navegador, que sempre solicita sua autorização ao acessar qualquer recurso. Experimente e veja como é uma ótima opção. Seu celular vai agradecer e você aumentará a duração de bateria e a performance. Como bônus, ganhará mais tempo de uso com o seu aparelho.
Vamos verificar agora suas configurações no Google, ação necessária tanto para usuários de Android quanto IOS. Recomendo realizar o acesso em um navegador no computador. Ao estar logado em qualquer serviço, no seu usuário há uma opção “Gerenciar sua conta Google” e depois “Dados e personalização”. É possível desativar o serviço de localização, apagar o histórico e determinar quanto tempo ele será armazenado.
Para o IOS use o próprio celular e acesse “Ajustes” e “Privacidade”. Desabilite opções como “Melhorias de Produtos” e o histórico de localização. A Apple tem utilizado uma estratégia de marketing na qual afirma que respeita a privacidade dos seus usuários. O fato é que o modelo de negócio dela é diferente, e, portanto, em tese, não há necessidade de obter tantos dados. Por outro lado, por ter seu software completamente fechado, não é possível nos certificarmos se isto é verdade.
A legislação, apesar de nos proteger contra alguns abusos, não garante nossa privacidade. Ao contrário, criou segurança jurídica para uso de nossas informações, tanto para as companhias como para governos. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), por exemplo, define uma grande quantidade de exceções, maior que as leis equivalentes de outros países.
O número de empresas que possue acesso à sua localização foi parecido com o que você estimou? Aposto que encontrou um número bem maior, e se pensarmos que esses dados podem ser compartilhados com outros, ele pode ser ainda maior. O recente anúncio de mudança dos termos de serviço do WhatsApp, por exemplo, permite repassar nossas informações para outros componentes do grupo empresarial.
Por fim, para termos um pouco de privacidade, é preciso adotar outras configurações, novos aplicativos e comportamentos. O próximo artigo previsto, para o dia 16 de abril de 2021, irá abordar essas outras ações de proteção da nossa vida pessoal. Precisamos com urgência diminuir o poder que as grandes Big Techs têm sobre nós e defender nossa liberdade. Governos autoritários oprimiram e assassinaram seus adversários e podemos voltar a enfrentar uma situação dessas com nossa privacidade sendo completamente devassada.
*Deivi Kuhn é analista de sistemas, ativista por um mundo com conhecimento e tecnologias livres e compartilhadas.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.
[1] https://revistaforum.com.br/debates/voce-ja-se-imaginou-usando-uma-tornozeleira-eletronica-por-deivi-kuhn/
[2] https://cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/5167-conflitos-no-campo-brasil-2019