Você é realmente livre para navegar na Internet? – Por Deivi Kuhn

Peço que você reflita sobre os sites que acessou hoje. Você provavelmente realizou esse acesso a partir do filtro de uma das grandes empresas que não respeitam nossa privacidade

Foto: TECHNICIANS NOW (Reprodução)
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Por Deivi Kuhn *

Por muito tempo pensamos na internet como um ambiente livre, em que todos poderiam se manifestar. Porém, ao buscar uma informação, delegamos ao Google o poder de indicar a sua verdade e ainda permitimos que nos monitorem. Temos alguma alternativa justa e eficiente?

Oi Helena[1]! Você fez o trabalho de orientação sexual da professora Magda? Passei a tarde na biblioteca pesquisando.

Oi Vera! Ah, eu não perco esse tempo. Gosto de coisa prática. Perguntei para o meu pai. Ele sabe tudo. Olha como o trabalho ficou bom :)

Mas, Helena, a parte sobre anatomia masculina está em branco! E a parte de como se prevenir de doenças também!

Claro, né, Vera! Eu sou menina. No trabalho do meu irmão, o Pedro, também não tem a feminina. Só temos 16 anos! Meu pai disse que ninguém na nossa idade precisa saber essas coisas, só depois de casar. Ainda bem que tenho meu pai para mostrar como o mundo realmente é. Aliás, vamos combinar com a turma para todos sempre perguntarem para ele?

Esse diálogo parece absurdo? E se eu disser que você está fazendo exatamente a mesma coisa todo dia?

A Internet surgiu como um grande ambiente livre, em que as pessoas com privilégio de acessar a rede, poderiam postar suas ideias, pesquisas, conhecimentos, enfim, tudo o que desejassem a todo momento. Existiam muitos buscadores de conteúdos, muitos sites criavam índices e listavam referências. Eu mesmo utilizava o Cadê para pesquisas nacionais e o Yahoo para pesquisas internacionais.

Em 1998, com a criação da empresa Google e seu eficiente buscador, isso começou a mudar progressivamente, até o preocupante ponto que estamos hoje. Todo o acesso que fazemos à Internet é mediado por uma das grandes empresas americanas de tecnologias, e, praticamente, todas as buscas por ela. Peço que você reflita sobre os sites que acessou hoje. Você provavelmente realizou esse acesso a partir do filtro de uma das grandes empresas que não respeitam nossa privacidade.

O pai da Helena

Provavelmente, como a quase totalidade da população mundial, ao realizar uma pesquisa você apenas escreve na barra superior do seu navegador alguns termos para que o Google apresente a sua lista. Este site, como o pai da Helena, filtra o mundo e apresenta o resultado para você, conforme seus algoritmos de inteligência artificial (IA). Essa pesquisa vai ser armazenada e associada ao seu perfil e será utilizada com pesquisas anteriores no buscador, no YouTube, com os seus e-mails, com todos os locais onde você andou, com o que você falou quando estava com o Chrome ou Waze abertos, com as fotos que você tirou no seu celular e subiu para o Google fotos, com seus documentos nos Google Drive, etc.

Através de um eficiente, e preocupante, mecanismo de identificação, ele tentará associar a busca ao seu perfil – mesmo que você não esteja logado em alguma ferramenta da empresa – utilizando dados de sua conexão de rede, do seu equipamento, sua localização, sua voz, de cookies do navegador, principalmente um que ele mesmo cria no seu computador, e que possui uma identificação única do seu equipamento. E talvez muitas outras formas que nem fazemos ideia.

Algoritmos opacos

A resposta depende desses algoritmos opacos (não sabemos exatamente como funciona), associados a um mecanismo semiautônomo de IA que tomará a decisão por você de qual conteúdo estará no início da pesquisa aumentando sua importância ou mesmo se o site aparecerá ou não. Ele irá priorizar conteúdos do interesse da própria empresa e de parceiros comerciais. Tentará ainda apresentar resultados que mantenham você dentro de outro aplicativo dela.

Importante ressaltar que os resultados encontrados na busca podem ter sido alvo de algum outro algoritmo de IA, que pode ter treinado o buscador a apresentar uma determinada resposta de forma não explícita. A própria corporação não terá interesse de denunciar, já que afeta diretamente a credibilidade do seu modelo de negócio.     

Sem perceber, você está como a Helena perguntando apenas no mesmo lugar para conhecer e ter informação do mundo. Situação agravada por você estar dando ainda mais dados para estudar seu perfil comportamental e psicológico, para te conhecer, prever seu comportamento e influenciar as suas escolhas.

Mas tem jeito. E é fácil!

Felizmente, com um pequeno esforço, podemos encontrar uma alternativa que respeita nossa privacidade e que nos permite realizar pesquisas baseadas relacionadas unicamente com as palavras chaves que utilizamos. O resultado apresentado é consistente para cada pesquisa. Nada fica armazenado no serviço. A publicidade que mantém o seu funcionamento é definida unicamente com os termos usados pela sua pesquisa. Essa ferramenta de busca se chama Duck Duck Go[2], criada com o objetivo de reconquistarmos nosso direito a uma vida privada e com alternativas que rompam o quase monopólio que estávamos vivendo[3].

Você pode acessar o buscador pelo seu endereço (http://duck.com). Mas indico uma configuração para alterar de forma fácil a busca padrão realizada pelos seus navegadores.  Tendo como referência o Firefox, acesse preferências e depois pesquisa. Em Mecanismo de pesquisa padrão é possível escolher a dentre as opções disponíveis o Duck Duck Go. Garanto que, mesmo não tendo toda a tecnologia da concorrente, ela será plenamente satisfatória.

Ele possui a aparência muito semelhante aos demais concorrentes, tornando a adaptação muito fácil. Um recurso interessante que indico a utilização são os chamados bangs[4], comandos que permitem você direcionar suas buscas para sites e outros buscadores melhorando a sua privacidade. Para acessar esse recurso basta digitar ! na barra de busca que abrirá um menu com opções para direcionar sua busca. !g, por exemplo, fará uma pesquisa no Google.

Outra dica interessante é instalar nos seus dispositivos o aplicativo do Duck Duck Go, disponível nas lojas de aplicativos no celular ou no site: https://duckduckgo.com/app. Além manter a privacidade de suas pesquisas, o app faz com que as informações sejam criptografadas quando possível e evita sites que monitoram seu comportamento.

Com um pequeno esforço você aumentará sua privacidade, continuaremos tendo opções de buscadores e, principalmente, o resultado de sua pesquisa não será dado por uma inteligência artificial que pode ser facilmente alvo de manipulação. Para um mundo melhor precisamos mudar hábitos e atitudes de forma constante, em todos os campos.

Colaboração:

Ellen Fernandes

Regina Faria

*Deivi Kuhn é analista de sistemas, ativista por um mundo com conhecimento e tecnologias livres e compartilhadas.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.


[1]Os nomes são homenagens alguns dos meus professores, fundamentais para minha construção. Sem dúvida essa deveria ser a profissão mais valorizada para construirmos um mundo melhor.

[2]https://duckduckgo.com/

[3]https://odysee.com/@The_Decentralized_World:5/What-is-DuckDuckGo-and-how-does-it-work_-DuckDuckGo-Vs-Google:2

[4]https://duckduckgo.com/bang