Por Carlos Bellé *
O Dia Mundial do Livro – 23 de abril – foi instituído pela Unesco em 1995. É também o dia dos Direitos de Autor. A data é uma homenagem a Miguel de Cervantes – nascimento do romance moderno –, William Shakespeare – pai da dramaturgia – e Inca Garcilaso de la Vega – cronista peruano – em data referida, mas não exata, à morte destes em 23 de abril de 1616. Também uma homenagem a centenas de outros autores a autoras e carrega entre seus objetivos o estímulo ao hábito e prazer em ler as obras clássicas daqueles e daquelas que legaram contribuições ao desenvolvimento humano em séculos.
Mas afinal, que significado tem esta data para nós, amantes da literatura no Brasil? Vamos, juntos, entrar no “mundo dos livros”. Afinal, é preciso conhecer a realidade para poder transformá-la.
No Brasil, os livros são isentos de impostos desde a Constituição de 1946 por emenda constitucional de Jorge Amado, deputado constituindo pelo PCB. Em 2004 foi desonerado do PIS e Cofins. Mas as editoras pagam impostos pelo sistema “Simples” ou “Lucro Presumido”.
No entanto, em agosto de 2020, o governo Bolsonaro, por meio de seu ministro da Economia, o Chicago boy financista Paulo Guedes, no bojo da proposta de reforma administrativa, propôs taxar em 12% sobre a receita bruta das editoras chamada de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). Isso poderia representar aproximadamente R$ 600 milhões – desconsideramos aqui os livros para o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Esta proposta também foi defendida pela Receita Federal. Para efeito comparativo, donos de iates, helicópteros, jatinhos e lanchas não são tributados, caso fossem, a arrecadação seria de R$ 2,7 bilhões. O argumento é o de que os mais pobres não consomem livros, além dos do PNLD!
Quem é o público leitor no Brasil?
Segundo o Retrato da Leitura no Brasil (2015), 56% consomem livros, o que representa um universo de 105 milhões de brasileiros. Cada um lê em média 4,96 livros por ano; mas apenas 2,43% lê o livro até o final. Classificando por estratificação social, temos 63% da classe A; 40% da B; 24% da C e 13% da D e E. O livro mais lido é a Bíblia (42%).
Quanto e o que se produz no Brasil?
Estima-se que existam até três mil editoras no Brasil. Mas a produção está centralizada em 500 editoras que publicam mais de cinco títulos por ano. Também existe uma plataforma de autopublicação que reúne cerca de 50 mil autores (El País, 27/12/2019). Há, ainda, nos últimos anos, um processo agressivo de internacionalização e/ou financeirização do setor editorial em desenvolvimento no Brasil e também a formação de grandes grupos editoriais, como por exemplo, Cia das Letras, Grupo Record, TAG livros e, sem esquecer, a Amazon.
Em 2019 foram produzidos 395 milhões de exemplares, 80% reimpressos e 50 mil novos títulos. Destes, 47% considerados livros didáticos (PNLD); 18,8% religiosos (6,3 milhões de bíblias impressas e 1,85 milhões em formato digital – SBB); 3% literatura infantil; 3% autoajuda; 3% literatura juvenil e 12,5% outros (Snel, CBL, Nielsen).
Como é distribuído o livro no Brasil?
A pesquisa do IBGE (2018) aponta queda do número de livrarias no Brasil entre 1999 e 2018. Dos 5.570 municípios, em 1999 eram 1.977 (35,5%) os que tinham ao menos uma livraria. Este número baixou para 986 (17,7%), em 2018. Em 2018 as grandes redes de livrarias Laselva, FNAC, Cultura e Saraiva fecharam ou abriram falência. A partir de então, cresceram as vendas on-line e a Amazon passou a ser a distribuidora (projeções indicam que a Amazon pode chegar a 50% da distribuição de livros no nosso país).
Em 2015 existiam no Brasil 6.057 bibliotecas públicas. Uma para cada 34,5 mil habitantes (Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas). Mas, 55% das escolas não tem bibliotecas ou salas de leitura.
Os dados consolidados em 2019 (Snel, CBL e Nielsen) apontam para uma distribuição centrada em livrarias (46,6%), distribuidoras (20,8%), Livrarias exclusivamente virtuais (10,1%), porta a porta (4,9%), igrejas e templos (4,3%), escolas e colégios (3,8%), marketplace (2,7%) e outras (6,9%).
Em 1973 foi criado o Círculo do Livro, primeiro clube de assinaturas. Dez anos depois, chegou a 800 mil associados. Encerrou suas atividades na década de 1990. Esta modalidade voltou em 2014. Em 2019 estimava-se que existiam 25 clubes de assinaturas de livros no Brasil com cerca de 2 milhões de assinantes (CBL). O Clube do Livro Expressão Popular iniciou em junho de 2017.
Economia e o mercado editorial
Em 2019 o PIB brasileiro foi de R$ 7,4 trilhões. O setor editorial participou com R$ 5,7 bilhões, incluídos jornais e revistas. Foram comercializados 434 milhões de exemplares – R$ 1,1 pelo governo para o PNLB e R$ 3,9 pelo mercado (Snel, CBL, Nielsen). Importante registrar que o mercado editorial encolheu 20% desde 2006.
Nós que amamos a revolução, resistiremos e venceremos
Esta ideia de taxar o livro é fundamentalmente ideológica. Não podemos esquecer a queima de livros pelos nazistas em 1933, seguida de perseguição, torturas e assassinatos. Também no Chile, em 1973, e os horrores da ditadura com mais de três mil mortos. Nem os argumentos de ideólogos como Ludwig von Mises de que as ditaduras fascistas são mal menor diante da ameaça comunista. Este alerta nos foi legado por Heinrich Heine: “onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas”.
A taxação dos livros apresenta uma série de desdobramentos práticos. Ao taxar os livros, sufoca-se o mercado editorial e inibe-se seu consumo. Impede investimentos em novas publicações. Enfraquece as editoras. Ao negar o pluralismo das ideias, inviabiliza-se os instrumentos pelos quais elas se espalham. Ao caracterizar o livro como uma commodity como qualquer outra, nega-se sua materialização física e simbólica que condensa a criatividade, a afetividade, o desenvolvimento integral do ser humano. O investimento é somente em capital físico, o que retorna em forma de lucro financeirizado. Transforma o livro em um artigo de luxo. Nega-se instrumentos que difundem conhecimento. Aprofunda a alienação. Eis algumas das chaves para compreender a divisão de classes da sociedade.
Como casa editorial Expressão Popular, somos herdeiros de José Marti para quem “Só o conhecimento liberta”; de Karl Marx para quem “a teoria se torna força material quando se apodera das massas” e de Antonio Candido para quem “O direito à literatura é um direito humano porque indispensável pela nossa humanização”.
Seguiremos denunciando toda forma de exploração do capital. Seguiremos lutando contra o obscurantismo, o negacionismo e as várias faces do fascismo hodierno. Seguiremos combatendo toda e qualquer forma do capital se apropriar da capacidade criativa humana.
Seguiremos defendendo o acesso universal ao livro. Seguiremos perseguindo um projeto de nação onde a educação e a cultura sejam elementos estruturantes de uma nova sociedade em suas manifestações mais universais. Seguiremos perseguindo o desenvolvimento dos valores mais nobres que transformam homens e mulheres mais plenos, nobres, sábios. Seguiremos lutando por uma sociedade equitativa, humanizada, com justiça social, desalienada na qual o trabalho e a cultura forjem a sociedade do futuro.
Celebremos com cada qual que lê nossas publicações, que as recomenda e estimula a leitura, que compartilha suas experiências literárias, que doa livros, que é assinante de nosso Clube do Livro Expressão Popular... formando, assim, o núcleo orgânico do projeto editorial.
Trabalhadores e trabalhadoras do livro, brindemos com nossos autores e autoras o acesso ao melhor da literatura produzida pela humanidade. Venceremos!
Dedico este texto ao companheiro e amigo, jornalista, poeta, escritor e editor, Alípio Freire.
“Onde não há igualdade, toda liberdade é sempre um excesso de privilégios.”
In memoriam.
*Carlos Bellé é coordenador político da Editora Expressão Popular.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.