Por João Cassino *
Se você tem ou teve a sorte de conviver com ao menos uma avó na vida, provavelmente guarda na memória afetiva algum quitute de sabor único, doce ou salgado, não importa. Ninguém mais no mundo consegue fazer igual ou melhor. No caso da minha, Dona Anita, que já não está entre nós, posso citar seus bolinhos de batata. Que saudades!
Dona Anita não tinha problemas em compartilhar sua receita com quem quer que fosse, amiga ou vizinha. Se houvesse Internet na época, possivelmente teria feito um vídeo ensinando suas artimanhas. Essa postura garantiria à minha vovó o status de defensora do conhecimento aberto. Ela sempre achou um absurdo quem se recusava a ensinar como cozinhava, tentando preservar o sigilo de um tempero mágico, como no caso do molho especial do Big Mac. Os que escondem suas receitas são partidários do conhecimento fechado.
Quando usamos um software de código fechado (ou receitas culinárias secretas), consumimos algo que não sabemos bem o que é. Não dá para identificar o que tem dentro. Para sistemas de computador ou para bolinhos de batata, quando não se conhece o que tem dentro, assume-se o risco da opacidade (característica do que é opaco).
Portanto, para entender o algoritmo principal do Google, aquele que nos permite buscar os conteúdos online de forma impressionantemente rápida, precisamos saber, em primeiro lugar, que se trata de uma fórmula opaca, protegida por propriedade intelectual. Então, o que conhecemos dele é o que a própria empresa nos conta.
O algoritmo do Google evolui constantemente, já que é a “alma” de um dos principais serviços da Internet contemporânea. Na verdade, não se trata de um, mas de um conjunto de algoritmos que foram sendo aperfeiçoados ao longo do tempo. Criado em 1998, dentro de um programa de doutorado da Universidade de Stanford, o serviço Google tornou-se empresa e cresceu velozmente. Desde então, tivemos ao menos 14 grandes atualizações, sendo a última em maio de 2020. O objetivo foi sempre melhorar a qualidade dos resultados de busca de seus usuários.
Em programação, algoritmo é uma sequência lógica de determinadas instruções que precisam ser seguidas pelo sistema para a execução de tarefa ou solução de problema. Exatamente como uma receita de bolinho de batata. Segue-se um passo a passo até que se atinja um resultado esperado. Os algoritmos do Google tentam ranquear as buscas com base nos princípios E-A-T (Especialização, Autoridade e Confiabilidade). Verificam a qualidade e a densidade dos conteúdos, o engajamento dos usuários em relação à um site, a identificação e a correlação de palavras-chave, dentre outras características.
Notadamente desde 2019, com o lançamento do BERT (Biderectional Encoder Representations from Transformers), o Google intensificou o uso de Inteligência Artificial, o que lhe permitiu começar a interpretar expressões de sentido figurado, regionalismos, sinônimos, gêneros (feminino e plural) e demais termos relacionados.
Outra preocupação do Google é potencializar resultados personalizados para consultas online. O motor de buscas levará em conta os dados de navegação armazenados de cada usuário na web para tentar adivinhar quais são os conteúdos mais relevantes para cada um. Por exemplo, o termo “Palmeiras” pode gerar respostas diferentes para um torcedor do clube paulistano, interessado em vitórias no futebol, ou para um estudante de botânica, preocupado em aprender mais sobre as plantas da família Arecaceae. Para amantes de teledramaturgia (como era minha avó), surgiria um esclarecimento sobre a falsa morte do ator Marcos Palmeira, recentemente vítima de fake news.
E voltando à Dona Anita, a Inteligência Artificial do Google funciona como quando ela, conhecedora de seus netinhos, sabia os gostos de cada um. Se o bolinho de batatas deveria ter mais ou menos sal, estar mais bem fritinho ou mais clarinho, se devia ser servido bem quente ou ser furado com garfo para o calor dissipar mais rápido. A diferença é que minha vovó não tinha interesses comerciais em modular comportamentos de consumo utilizando meus dados pessoais.
*João Cassino é jornalista, doutorando e mestre em Ciências Sociais.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.