Por Thiago Dhatt*
Na última quinta-feira (4) o plenário da Câmara dos Deputados aprovou a PEC dos Precatórios com 312 votos favoráveis e 144 contrários – 4 votos a mais do que o limite para a aprovação de um texto com alterações na Constituição, que exige 308 deputados.
O governo Bolsonaro colocou para a base governista, a missão de aprovar a PEC dos Precatórios. Apelidado de “meteoro” pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a PEC 23 altera regras do chamado teto de gastos e cria novas normas para o pagamento de precatórios. Os precatórios, por sua vez, são dívidas judiciais da União com pessoas físicas e jurídicas. Muitas dessas pessoas são funcionários públicos como professores, funcionários da Saúde e servidores do baixo escalão do Estado brasileiro. A PEC propõe o parcelamento das dívidas que deveriam ser pagas no ano que vem, um valor que chega a quase R$ 90 bilhões.
Os precatórios são dívidas constitucionalmente obrigatórias e, por isso, seu parcelamento apenas prolonga o crédito que está em débito ao credor para um próximo governo e abre um crédito, para o atual governo, implementar seu novo programa “Auxílio Brasil”, nome do novo Bolsa Família, que prevê a transferência de R$ 400 para 14,6 milhões de famílias com fim previsto para acabar, não-coincidentemente, após as eleições do ano que vem.
Ou seja, o governo paga um benefício com dinheiro da próxima gestão e, de quebra, utiliza o recurso de forma eleitoreira, além de não haver garantias de que o programa continue após as eleições de 2022, gerando insegurança a milhares de cidadãos em vulnerabilidade social.
E tem mais um adendo relevante: O parcelamento dos precatórios é inconstitucional e deverá ser questionado no Supremo Tribunal Federal! Entenda...
Acontece que em 2010, o Plenário do STF suspendeu dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que permitia o parcelamento do pagamento de precatórios pendentes na data da promulgação da Emenda Constitucional 30/2000 e esta decisão ainda está valendo. Um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes interrompeu o julgamento, no STF, de duas ações envolvendo o pagamento de precatórios. A principal delas pode legitimar o sequestro de valores do Estado para o pagamento compulsório de precatório. Traduzindo, além de estar em curso o entendimento que proíbe o governo de parcelar as dívidas dos precatórios, uma nova decisão pode obrigar o Estado a pagar compulsoriamente. Portanto, aprovar a PEC, à revelia de muitas sentenças judiciais de eficácia imediata, com trânsito em julgado, além da discussão em trâmite do STF, fere a separação de poderes e a exigência de segurança jurídica, o que configuraria um atentado contra a independência do Poder Judiciário.
Na prática, a PEC 23 dá um calote nos trabalhadores com o não-pagamento dos precatórios da forma prevista, prometida e aguardada, como os do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que deu lugar ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o principal fundo de financiamento da educação básica no país. Serão prejudicados aposentados e servidores, que ganharam ações de revisão de salário e do benefício na Justiça, e também a Educação, que perderá recursos do Fundeb. Essa PEC pode afetar ainda mais professores e professoras, que podem até ter atrasos nos pagamentos dos salários.
Até mesmo os beneficiários do atual Bolsa-Família serão enganados! Em nenhum artigo, inciso ou trecho da PEC 23 é citado o novo “Auxílio Brasil”, falsamente defendida como a “PEC do novo Bolsa-Família” pela base governista. Além dos boatos e as evidências de compra de apoio parlamentar pelo governo, na ordem de 15 milhões por deputado para aprovar esta PEC e outros projetos de interesse do governo que virão e serão onerosos, o governo precisará de mais recursos para matar a sede de muitos parlamentares. Portanto, a PEC não tem relação direta com “Auxílio Brasil” e os recursos a serem gerados pela PEC dos precatórios poderão servir para fins nada republicanos.
Além disso, nada garante a aprovação da PEC no segundo turno, uma vez que os partidos de oposição têm trabalhado fortemente para reverter os votos cedidos no primeiro turno. O que traz uma preocupação contundente, no se refere ao programa que deverá substituir o Bolsa-Família, uma vez que este foi extinto por Bolsonaro através da Medida Provisória 1.061.
A pergunta que não quer calar: Se o governo está no limite do orçamento, de onde virá o recurso para o próximo programa “Auxílio Brasil” sem atentar contra os direitos de trabalhadores?
Segundo levantamento da Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network), o Brasil deixa de recolher US$ 14,9 bilhões (cerca de R$ 84 bilhões) em impostos anuais. A brutal Reforma da Previdência gera outra economia de R$ 80 bilhões. Já a concessão de benefícios tributários, financeiros e creditícios representa perda de receitas ou elevação de despesas orçamentárias para o governo federal são mais R$ 456,6 bilhões. Há também outras cifras estimadas equivalentes a 5,9% do Produto Interno Bruto brasileiro. Inclui isenção de lucros (R$ 58,9 bilhões), não implantação do imposto sobre as grandes fortunas (R$ 58 bilhões) e Refis (R$ 22 bilhões).
São números que beneficiam os mais ricos, o grande Agronegócio que prioriza a importação em dólar e acaba por desabastecer o próprio consumo interno. Grandes empresas que se beneficiam de empréstimos de bancos públicos e depois têm dívidas perdoadas ou que integram a lista dos grandes sonegadores.
O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2021 foi de R$ 4,148 trilhões. Trata-se do orçamento estimado do governo no ano. Pois a submissão ao sistema financeiro internacional, herança dos tempos de Ditadura, assegurou R$ 2,236 trilhões (53,92%), ou seja, mais da metade dos recursos previstos no orçamento federal de 2021, para os gastos com juros e amortizações da dívida pública para grandes bancos privados.
Portanto, o problema do Brasil não é de recurso, nunca foi, mas sim de gestão! As políticas públicas têm foco e prioridade. Se o governo quiser mesmo criar o novo programa “Auxílio Brasil”, ele irá fazer e, inclusive, destinar a fonte que virão os recursos. Mas optou por se apropriar de recursos de um governo futuro, que possivelmente não seja o seu, porque não soube controlar seu orçamento, cuja prioridade é a rentabilidade dos grandes bancos, multinacionais e mais ricos, enquanto seu povo mais pobre sofre com a volta da fome e da miséria extrema. Para isso, tenta colocar a conta nas costas de funcionários públicos como professores, funcionários da Saúde e afins, criando uma narrativa envernizada que certamente confundirá àqueles mais desatentos que não souberem ler a PEC.
*Thiago Dhatt é assessor parlamentar e Antropólogo