Por Vicentinho*
Ano após ano, o Dia da Consciência Negra traz inúmeras reflexões sobre o ser negro, ter consciência dos elementos que causam o racismo e as várias formas de preconceito no país. Instituído oficialmente pela lei 12.519, de 10 de novembro de 2011, o 20 de novembro faz referência à morte, em 1695, de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, no atual estado de Alagoas.
Uma das maiores conquistas nos últimos anos foram os marcos legais constituídos, boa parte deles assegurados por leis federais. Três bons exemplos são a lei de cotas na educação (lei 12.711), a lei 12.990, que reserva 20% das vagas efetivas dos concursos da administração pública federal para candidatos negros, e a lei 12.288, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica, entre outras.
Muitos questionam a necessidade deste conjunto de leis e sua aplicabilidade em uma sociedade permeada por uma série de desigualdades, resultantes de um processo histórico específico, pois entendem que acabam apenas reproduzindo as desigualdades já existentes. No entanto, as ações afirmativas partem da ideia de que é preciso reconhecer a existência das desigualdades e sanar situações que são consideradas socialmente desfavoráveis, tanto para o indivíduo quanto para o conjunto da população.
É bom lembrar que cerca de 56% da população brasileira se autodeclara negra (pretos e pardos), de acordo com o último censo do IBGE. Nesse sentido, o Dia da Consciência Negra é importante para relembrarmos que a nossa sociedade foi construída por meio da escravidão. Por mais que melhorias e mudanças tenham acontecido, a falta de oportunidades para a população negra, o racismo presente nos detalhes do cotidiano e as tentativas de apagamento da cultura africana evidenciam que ainda temos um longo caminho a percorrer.
Levantamento realizado após as eleições de 2018 mostra que somente 4% dos políticos eleitos para o Legislativo se autodeclaram negros; na bancada paulista, dos 70 parlamentares, apenas dois.
Negros recebem pena maior que os brancos quando processados por posse de drogas, mesmo quando flagrados com doses menores de substâncias ilícitas em relação a condenados brancos. Não só a Justiça demonstra ser mais rigorosa contra os negros: dados do Monitor da Violência mostram que em 2020, no Brasil, 78% dos mortos pela polícia eram negros. O número refere-se às vítimas das polícias Militar e Civil e significa que quase quatro a cada cinco pessoas mortas pelas polícias em 2020 eram pretas ou pardas, em sua maioria jovens negros.
No mercado de trabalho, a situação é também dramática. Pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) constata que neste ano já são mais de 14 milhões de desempregados no Brasil (2,5 milhões a mais que em 2020). Mais de 60% dos desempregados são negros e negras, que também sofrem com o preconceito e recebem, em média, R$ 1.200 a menos que os brancos. No caso das mulheres, segundo cálculos do Data Labe, a probabilidade de desocupação no primeiro trimestre de 2021 era de 9,2% para mulheres negras e de 5,6% para homens brancos.
Com as religiões de matrizes africanas, o preconceito não é diferente no Brasil. Na década de 1930, eram proibidas; hoje, apesar de a Constituição prever e proteger a liberdade religiosa, as religiões afro-brasileiras são intensamente perseguidas. Um fenômeno recente são as ações de vandalismo cometidas contra terreiros nos quais se praticam os encontros de umbanda e do candomblé.
Até na escola, há enorme resistência com a cultura africana, com pais de alunos que se recusam a permitir que seus filhos tenham acesso a conhecimentos e saberes relativos às culturas de origem africana. Alguns professores, muitas vezes, se recusam a ministrar os assuntos relacionados com a cultura afro-brasileira para os alunos, apesar de existir uma lei que os obrigue a fazê-lo.
Por essas e outras questões relativas ao racismo estrutural e à ausência de formação adequada no tecido social da população brasileira, o Dia da Consciência Negra segue cada vez mais atual e necessário. É necessário seguir na luta.
*Vicentinho é Deputado Federal (PT-SP)