Entre 1870 e 1960, milhares de italianos desembarcaram por aqui, em busca de melhores oportunidades, muitos fugindo do fascismo, outros das agruras dos pós-guerras.
Segundo a embaixada italiana no Brasil, 15% da população brasileira descendia de italianos em 2013. Cerca de 30 milhões de habitantes, metade no estado de São Paulo. Um deles, este que vos escreve. Outro é aquele que deveria governar o país mas, em meio a uma conferência mundial dos líderes das 20 maiores economias do mundo, preferiu caminhar por Roma, agredindo jornalistas, a se reunir com os demais estadistas.
Com a abolição da escravidão em 1888, a mão de obra negra nas lavouras de café foi substituída por mão de obra imigrante, e portugueses e espanhóis também integraram as primeiras levas. Mais tarde, viriam povos do oriente europeu, e asiáticos.
A presença italiana é marcante na capital bandeirante. Fui criado na Mooca, bairro com forte influência daquele país: o “meu” é substituído pelo “bello”, nas ruas. O Clube Atlético Juventus, um dos dois clubes de futebol de bairro que seguem no profissionalismo, foi fundado pelos irmãos Crespi, italianos. Pizzarias abundam na região. Já escrevi uma coluna só sobre a Mooca, então não vou me estender.
Há outros bairros, como a Bela Vista, o mais italiano de todos, popularmente conhecido como “Bixiga”.
Também há italianos na Pompeia, bairro onde fica a quadra do Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Águia de Ouro, fundado em 9 de maio de 1976, por integrantes de um time de futebol o Faísca de Ouro, que foi desativado em 1982.
Em 1984, a escola tricolor, somando o ouro ao azul e ao branco de sua madrinha, Nenê de Vila Matilde, fez seu primeiro desfile no grupo especial do carnaval paulistano, mas ficou apenas com o 10º e último lugar, e foi rebaixada. Um incêndio destruíra parte das fantasias, comprometendo os preparativos.
Voltou em 1987, repetiu o 10º lugar, mas não houve rebaixamento. Em 1988, mais um 10º lugar e, desta vez, a queda foi inevitável.
Em 1991 os desfiles ocorreram pela primeira vez no Sambódromo do Anhembi, e a Águia de Ouro (ou “o” Águia, como preferem alguns, referindo-se ao grêmio recreativo) buscou se manter no grupo especial com o enredo “São Paulo Pátria Mia”, sobre a presença italiana na cidade de São Paulo.
O enredo foi desenvolvido por Wágner Antônio e, o samba, composto por Quinzinho, Cuca E. C. Barboza, Juquinha (também conhecido como Mestre Juca, que há muitos anos comanda a bateria da escola) e Douglinhas, que também o puxou na avenida:
“Hoje eu te deixo Itália ‘mia’ / O peito sofre é hora de embarcar
Ao longe um país me abre os braços (Brasil) / Tua raiz agora planto lá”
O carro abre-alas representava o navio que trouxe os primeiros italianos ao Brasil. Outras alegorias traziam o trem, que ajudou a espalhar os imigrantes pelo Estado, os cortiços do Bixiga, que serviram de moradia para muitos imigrantes nas primeiras décadas do século XX, a culinária de massas, a musicalidade (com o Maestro Záccaro como destaque no respectivo carro alegórico).
O desenvolvimento da cafeicultura e a Sociedade Esportiva Palmeiras, vizinha da escola, e formada por imigrantes italianos, foram algumas das referências das alas da escola.
A 9ª colocação, com 229 pontos, representou um passo à frente, mas não foi capaz de impedir mais um rebaixamento.
Foram mais 5 anos no grupo de acesso, mais um 10º lugar em 1997, e o retorno às grandes em 99, para uma longa temporada, interrompida em 2009 e 2018, quando foi campeã do grupo de acesso. Mas a escola cresceu e se estruturou durante essas últimas duas décadas e, em 2020, chegou à conquista do tão sonhado título do grupo especial.
Eu tenho um carinho muito grande pela história da imigração italiana, carinho que só se fortaleceu quando conheci mais a fundo minhas origens. Particularmente, acredito que o pouco uso de plural, constante motivo de piadas envolvendo paulistas, derive da formação do plural na língua italiana, que não ocorre pelo acréscimo do “S”, mas pela alteração da última vogal (“a” por “e”, e “o” por “i”, genericamente). Essa seria a razão do famoso “dois pastel”. Agora, por que o “s” foi parar em “um chopps”, não me arrisco a traçar uma teoria.
Todavia, em muito me envergonha ter minha origem compartilhada com essa criatura abjeta que nos desgoverna e nos envergonha. Um inepto que odeia trabalhar, ao contrário de nossos ancestrais. Que visita, ao lado de um fascista, um memorial dedicado a brasileiros que morreram em solo italiano, lutando contra o fascismo. Uma vergonha à memória de nossos pracinhas.
Quando eu era criança, ainda aprendendo a ler, frequentava uma pizzaria na Avenida Sumaré, em São Paulo. Relativamente perto da quadra da Águia de Ouro. Foi ali que aprendi a diferença entre pizza e Pisa. Os proprietários anteciparam-se ao abilolado, dando ao restaurante o apropriado nome de Torre de Pizza. Eu pronunciava “pisa”.
Ali, por volta dos 6 ou 7 anos de idade, eu já reunia condições de ser presidente da República, mas não o sabia.
Bons tempos.
*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.