Aos 33 anos, nossa Carta Magna luta contra a tortura e a crucificação

Promulgada em 05 de outubro de 1988, a Constituição Brasileira tenta sobreviver aos constantes ataques de Jair Bolsonaro e sua torcida

Ilustração: DGC
Escrito en DEBATES el

Por Estevan Mazzuia *

Nada de manjedoura, burrinhos e vaquinhas. A Constituição Brasileira nasceu em meios às cobras e aos leões, com todas as conotações imagináveis dos termos faunísticos, após anos de lutas e sacrifícios.

Uma contundente resposta à ignorância e estupidez que vigoraram durante a ditadura militar, resgatando a cidadania ao povo brasileiro, e com a promessa, hoje ignorada, de garantia universal de direitos. Daí, constituição “cidadã”.

Se admite divergências e discordâncias, não permite descumprimento e afronta: “traidor da Constituição é traidor da pátria”, asseverou Guimarães, naquele 05 de outubro de 1988, que viu nascer um novo Estado brasileiro.

A Constituição Brasileira não é perfeita, posto que já nasceu admitindo reformas em seu texto, como bem lembrou Dr. Ulysses Guimarães, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, no discurso de promulgação. Contudo, se o Brasil que se desenha em seus 250 artigos nunca existiu, também nunca parecemos tão distantes dele.

Trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade e mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, ou o cemitério: aquilo que Jair prometeu em 2018, e que norteou as manifestações do último dia 07 de setembro, são claras afrontas à organização do Estado brasileiro.

Mas seguimos resistindo. Entre a maioria de nós ainda vigora o ódio e o nojo à ditadura, e seguimos amaldiçoando a tirania, onde quer que ela desgrace homens e nações.

Aos poucos, a sociedade brasileira vai evidenciando a dificuldade em se despir de seus preconceitos e aceitar a Carta de 88.

E o maior reflexo disso foi a eleição de Jair Bolsonaro, um senhor que nutre imenso ódio pela democracia e pela Constituição Brasileira. Nesses quase três anos à frente da nação, vem tentando, a todo custo, impor aquilo que julga ser a vontade da maioria sobre os demais brasileiros, revelando completo desconhecimento do que é, de fato, a democracia: dar voz a todos, contemporizando-as, equalizando-as, acomodando-as, na medida do possível.

Não é fácil governar uma nação com proporções continentais e inúmeras diferenças socioculturais. Ninguém nunca disse que seria fácil. É uma tarefa hercúlea, que não pode ser desempenhada sozinho. Mas, ao atingir a idade de Cristo, nossa Constituição encontra, em um homem que jurou defendê-la, seu maior algoz.

No carnaval do ano 2000, a União de Vila Albertina, escola de samba da zona norte paulistana, levou para a avenida o enredo “Carta Magna - Certidão de Nascimento de Nascimento do Brasil” e, com 83 pontos, terminou em oitavo lugar no chamado grupo de espera, a última divisão. Parece que nossa Constituição não tem sorte nem quando se trata de carnaval.

Resta-nos defendê-la até o limite de nossas forças contra as incansáveis tentativas, do atual desgoverno federal, de rasgá-la.

Torturada e crucificada, na aurora de seus 33 anos, se tivesse olhos para contemplar seu entorno, e voz para expressar sua dor, tal qual aquele, a quem JB finge amar, certamente gritaria:

AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE, PAI!

Afastai de todos nós, Senhor. O quanto antes.

Vida longa à Constituição da República Federativa do Brasil!

*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.