Por Nilto Tatto *
Sem nenhum debate público, por meio de decreto assinado às vésperas do feriado prolongado de 12 de outubro, quando o ambiente político em Brasília está tranquilo, o presidente Jair Bolsonaro promoveu um retrocesso sem precedentes na segurança alimentar da população com o Decreto 10.833, que modifica profundamente o processo de liberação de novos agrotóxicos, facilitando a entrada no país de produtos nocivos à saúde humana.
O decreto é um atentado a vários fundamentos da Constituição, como o direito à vida, à saúde e ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado. O que está por trás dessa iniciativa do governo Bolsonaro é a antecipação de vários pontos previstos no PL 6299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”, uma das prioridades da bancada ruralista para aprovação na Câmara dos Deputados, de forma atropelada, na base da canetada e utilizando um mecanismo que entra em vigor imediatamente, sem análise de nenhum outro Poder ou órgão institucional.
Nossa avaliação preliminar aponta que a medida ilegal e inconstitucional. Ao alterar leis com um decreto, o presidente avançou em competência do Poder Legislativo. No entanto, muito mais grave que o fator administrativo, é o alcance do decreto, um crime contra a saúde pública.
Uma avaliação da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida apontou 17 pontos críticos que a partir de agora estarão liberados, entre eles a possibilidade de uso de agrotóxicos vencidos; a liberação de produtos em que o mesmo ingrediente ativo já tenha sido liberado, desconsiderando demais componentes tóxicos presentes nessa nova composição; a permissão de certos agrotóxicos “furarem a fila”, reduzindo o prazo de análise técnica; a criação da avaliação de risco, mais permissiva do que a atual avaliação de perigo; a autorização do registro de agrotóxicos que podem causar câncer, mutação genética, desregulamentação hormonal e danos ao embrião e/ou feto, desde que seja em “dose aceitável”, sem definir exatamente o que é isso; e o fim da publicação no Diário Oficial dos registros de novos agrotóxicos, se a autoridade pública assim desejar, diminuindo a transparência e a capacidade de fiscalização da sociedade quanto ao ritmo e quantidade dos produtos.
Diante da gravidade desse decreto e seu potencial de adoecimento da população, que será submetida a agrotóxicos potencialmente letais, estou estudando junto à assessoria técnica da Liderança do PT quais medidas podemos tomar para barrar essa ameaça séria à integridade sanitária dos brasileiros. Um dos instrumentos possíveis, o PDL, Projeto de Decreto Legislativo, que tem o poder de sustar um decreto presidencial, tem sido recusado de forma monocrática e devolvido sem justificativa técnica pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, em estratégia dele para blindar Bolsonaro. Portanto, em diálogo que estamos mantendo com a sociedade civil, vamos entrar com duas iniciativas jurídicas, uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) e uma Ação Civil Popular, em conjunto com a bancada do PT na Câmara dos Deputados.
A liberação indiscriminada de agrotóxicos é parte do projeto encabeçado por Bolsonaro em conluio com setores do agronegócio que pretendem levar a maior desregulamentação de leis ambientais na história do Brasil, diminuindo a proteção ambiental e legalizando práticas criminosas, como ocorreu com a flexibilização do licenciamento ambiental e a institucionalização da grilagem.
Trata-se de um consórcio criminoso que coloca em risco a vida da população com um objetivo: a perpetuação política e o favorecimento econômico de grupos que sustentam politicamente o presidente da República, colocando a vida de mais de 200 milhões de pessoas em risco e subjugando a máquina estatal a serviço de um projeto econômico e de poder.
Resistiremos e denunciaremos onde for preciso para impedir essa barbárie!
*Nilto Tatto é deputado federal (PT-SP). É secretário nacional do Setorial de Meio Ambiente do PT e coordena a Frente Parlamentar em Defesa dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Foi presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.