Por frei Sérgio Antônio Görgen *
Um forte grito ecoou nas beiras das estradas gaúchas 25 anos atrás, denunciando abandono diante de uma severa estiagem e exigindo apoio governamental para sobreviver no campo.
Em 17 de janeiro de 1996 mais de cinco mil pequenos agricultores acampavam à beira da Rodovia 386, próximo à cidade de Sarandi, no Rio Grande do Sul, exigindo um Crédito Manutenção Familiar de R$ 1.500,00 para enfrentar as consequências da grave seca que assolava o Estado e devastara as plantações e os animais. Reivindicavam também anistia das dívidas e crédito subsidiado para retomar a capacidade produtiva.
Na semana seguinte, em Sarandi, eram mais de 17 mil pessoas com seus barracos de lona, gritando em coro “queremos mil e quinhentos”.
Somaram-se ao levante de Sarandi outros acampamentos regionais em Encruzilhada do Sul, Erechim, Ibiraiaras, Santo Ângelo, Pelotas e Júlio de Castilhos, formando um contingente mobilizado de mais de 30 mil pessoas.
Os governos Fernando Henrique e Antônio Brito praticavam o pior do neoliberalismo e nada tinham a oferecer.
A resistência nas beiras das estradas se prolongou por um mês até que o governo federal juntamente com o governo estadual se comprometeram com a implementação de um Crédito Manutenção Familiar, que ficou popularmente conhecido como “Cheque Seca”, que acabou se resumindo a R$ 400,00 por família.
Mais que a pequena conquista, estava constituída aí, por força da mobilização popular, uma nova forma de organização dos pequenos agricultores, muito inspirada nas lutas do MST, uma nova forma de mobilização e luta, com as massas tomando as estradas, e uma nova forma de debater pautas com a base popular, colada às necessidades reais, concisa e objetiva.
Assim nascia o Movimento dos Pequenos Agricultores, o MPA.
Ressalto que nasceu não só provocado por um problema social, mas de uma situação socioambiental: uma estiagem severa. Não tínhamos consciência disto à época, mas o tempo nos demonstrou que a “questão ambiental” perpassaria as vidas camponesas dali em diante.
Em resumo, algumas conquistas:
Em 1996, o “Cheque Seca”; em 1997 com a Greve de Fome de 17 dias, conquista do Pronafinho Custeio; em 1998, o Pronafinho Investimento; em 1998 inicia a luta por habitação com a primeira conquista de moradias no campo em 2002; em 2003 é criado o Programa de Aquisição de Alimento – PAA, com participação do MPA; também em 2003 o MPA participa da luta por eletrificação no campo que resulta no “Luz para Todos”; em 2003 o MPA inicia o estudo da História do Campesinato no Brasil e elaboração do Plano Camponês; em 2004 vem a conquista do Seguro Agrícola e de mais crédito para produção de alimentos; em 2008 os primeiros projetos públicos de aquisição e produção de sementes crioulas e de assistência técnica com foco na Agroecologia e alimentos saudáveis.
Em 2013, no Rio Grande do Sul os primeiros projetos do Programa Camponês, um novo conceito de política pública para o campo; em 2013 a ocupação da multinacional dos venenos, Monsanto, em Juazeiro, Bahia, enfrentando o agronegócio da comida envenenada e a defesa da terra para produção de alimentos saudáveis e proteção da natureza; em 2014 o Brasil saiu do Mapa da Fome, conquista camponesa ancorada em políticas públicas construídas com governos democráticos; em 2015 realização do I Congresso Nacional do MPA em São Bernardo do Campo com a afirmação da centralidade da organização territorial, do Plano Camponês, Soberania Alimentar e construção do Poder Popular; em 2017 greve de fome de dez dias na Câmara dos Deputados que impediu a aprovação da reforma da previdência contra as famílias camponesas. Resistência contra o golpe e contra o governo genocida e fascista de Bolsonaro.
Uma lição da história: tudo foi conquistado com luta e muita organização
Mas há outras conquistas de significado e caráter estratégicos. Entre elas, a afirmação da importância dos camponeses como produtores de alimentos saudáveis para o povo brasileiro, a unidade em torno da proposta do Plano Camponês e Soberania Alimentar, alimento saudável na mesa do povo, e estratégia de construção do Poder Popular nos territórios camponeses e nos vastos espaços do Brasil interiorano como projeto estratégico revolucionário. Uma de nossas maiores conquistas é a recuperação do conceito de campesinato e a valorização e autoestima camponesa.
Hoje, diante de novos desafios com a avalanche do agronegócio e a destruição das políticas públicas para o campesinato, o horror da crise social, ambiental e sanitária com a pandemia e a volta da fome, o MPA se põe em pé, fronte erguida, firme e decidido a lutar e encarar os próximos 25 anos disposto a transformar o campo e a sociedade brasileira para construir uma Nação para o bem do nosso próprio povo.
*Sérgio Antônio Görgen é frei franciscano, militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e autor da obra “O Plano Camponês”.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.