No último dia 27 de julho, a chancelaria venezuelana denunciou a vandalização do consulado do país em Bogotá, na Colômbia. Imagens da sede consular totalmente depredada, saqueada, chocaram o mundo. Não é a primeira vez que a Venezuela vê edifícios de suas instituições consulares e diplomáticas ameaçadas.
No dia 10 de novembro de 2019, quando se punha em curso o golpe que resultaria na renúncia do ex-presidente Evo Morales, a embaixada venezuelana em La Paz foi tomada por homens encapuzados, munidos de dinamite. No dia 13 seguinte, foi a embaixada do país no Brasil que sofreu ameaça de invasão por militantes partidários do autoproclamado presidente Juan Guaidó, ameaça que só não se consumou devido à resistência dos funcionários do corpo diplomático apoiados por aliados do campo político progressista no Brasil.
As duas normas internacionais que disciplinam sobre o tema repetem-se no reconhecimento da obrigação da nação que recebe a missão diplomática ou representação consular em prover a segurança dos edifícios diplomáticos. A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de abril de 1961, promulgada no Brasil através do Decreto n. 53.435, de 8 de junho de 1965, por exemplo, dispõe, no artigo 22, que: "2. O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações à tranquilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade." Esta prerrogativa de inviolabilidade diplomática consistente na obrigação legal da nação receptora de prestar a necessária segurança aos edifícios diplomáticos do Estado emissor é tão relevante para o direito internacional que a obrigação de proteção se mantém até mesmo no caso de guerra: “ a) o Estado acreditado está obrigado a respeitar e a proteger, mesmo em caso de conflito armado, os locais da Missão bem como os seus bens e arquivos” (artigo 45).
Já a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 24 de abril de 1963, promulgada no Brasil através do Decreto n. 61.078, de 26 de julho de 1967, dispõe no artigo 31º, sobre inviolabilidade dos locais consulares, que: "3. o Estado receptor terá a obrigação especial de tomar as medidas apropriadas para proteger os locais consulares contra qualquer invasão ou dano, bem como para impedir que se perturbe a tranquilidade da repartição consular ou se atente contra sua dignidade." O artigo 27, por sua vez, disciplina: "1. No caso de rompimento das relações consulares entre dois Estados: a) o Estado receptor ficará obrigado a respeitar e proteger, inclusive em caso de conflito armado, os locais consulares, os bens da repartição consular e seus arquivos".
Por serem obrigações legais dos Estados, tais comandos subsistem independentemente da afinidade dos governos de Colômbia, Bolívia e Brasil com o governo da Venezuela, sujeitando-lhes à responsabilização internacional pela omissão na garantia de proteção. Porém, o alinhamento servil às orientações dos Estados Unidos de reconhecimento à aberrante autoproclamação de Juan Guaidó - apenas um dos tantos e tantos capítulos de uma guerra econômica criminosa promovida contra a soberania da Venezuela - tem resultado numa hostilidade permanente com os funcionários venezuelanos credenciados pelo presidente Nicolás Maduro.
Há inúmeros motivos para fazer crer que não apenas existe negligência na proteção, mas tolerância para não dizer concordância, com os reiterados constrangimentos. Uma das razões é o assédio oficial dos governos de tais países ao corpo diplomático venezuelano. No Brasil, por exemplo, no último dia 28 de abril, o Ministério das Relações Exteriores determinou a saída imediata do país dos funcionários venezuelanos a serviço de sua chancelaria, medida extrema que foi inviabilizada por liminar do ministro do STF Luis Roberto Barroso, concedida em habeas corpus impetrado pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS) em nome dos funcionários constrangidos. Ainda assim, a medida é provisória enquanto durar a crise pandêmica de calamidade pública e de urgência sanitária de coronavírus. O problema persiste e a ameaça às prerrogativas diplomáticas venezuelanas segue acesa.
É lamentável ver que os governos de Colômbia, Bolívia e Brasil pautam as políticas exteriores de suas nações segundo a batuta de um lunático, Donald Trump, que considera a Venezuela parte dos EUA (o que foi recentemente confidenciado pelo ex-Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, no livro The Room Where it Happened: A White House Memoir. New York: Simon & Schuster, 2020, p. 249). Não percebem os incautos que o aloprado presidente estadunidense pode pensar o mesmo de seus países. Pior é se percebem e concordam com isso.
*Marcelo Uchôa é professor Doutor de Direito Internacional Público. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) - Núcleo Ceará
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum