Por Luna Brandão*
Florestan Fernandes, nascido no dia 22/07/1920, recebeu o nome de origem alemã em homenagem ao motorista de sua madrinha, Hermínia Bresser, filha da integrante da nobreza prussiana, Ana Hasta Edwiges von Seehausen (ou Anna Bresser), e do homem de negócios dos três setores da economia, Carlos Augusto Bresser. A mãe de Florestan era Maria Fernandes, filha de colonos portugueses e empregada doméstica na capital paulista, e ele não conheceu seu pai. Trabalhou desde os seis anos e interrompeu os estudos, mesmo amando livros, para ajudar a sustentar a família.
Cresceu entre o palacete dos Bresser, onde foi estimulado intelectualmente pelos livros na casa da madrinha, e os diversos cortiços onde morou com sua mãe. Entrou em contato, com dois mundos diametralmente opostos, vivenciou e observou a pobreza e a riqueza paulistanas forjando sua visão singular e complexa sobre as relações sociais. Ele se considerava um lumpen, a influência da família que o apadrinhou não superou o preconceito que sofria, e trabalhou como auxiliar de barbeiro, engraxate e, por fim, como garçom no bar Bidu. Atrás do balcão, na rua Líbero Badaró, no Centro de São Paulo, Florestan estava sempre lendo e incentivado pelos clientes intelectuais fez o Curso de Madureza (equivalente ao supletivo), aos 21 anos iniciou sua graduação em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo e aos 25 anos iniciou sua carreira de docente.
É impossível pensar a evolução da pesquisa sociológica brasileira, e da América Latina, sem a participação de Florestan Fernandes, na transformação do pensamento social e na sua forma de investigação sociológica, radicalmente analítica e crítica, e sua proposta de atuação intelectual - compondo e participando dos movimentos sociais. Sua análise usa juntos o marxismo clássico e moderno, a relação entre teoria e prática que ele propõe que difere do dogmatismo teórico e da prática de concessões da esquerda. Sua lógica o levou a eleição como deputado constituinte, pelo Partido dos Trabalhadores, onde se destacou na defesa da educação pública e gratuita.
Sua obra reflete seu olhar e o avanço da sua atuação política. Em sua tese de livre docência, intitulada A inserção do negro na sociedade de classes, questiona a lógica da democracia racial, apresentada por Gilberto Freyre, onde a democracia e as questões raciais são correlatas e harmoniosas dentro do tecido social brasileiro.
Florestan Fernandes explica que democracia é, fundamentalmente, sinônimo de igualdade racial, econômica e política. Em suas palavras:
“Nós nos acostumamos à situação existente no Brasil e confundimos tolerância racial com democracia racial. Para que esta última exista, não é suficiente que haja alguma harmonia nas relações raciais de pessoas pertencentes a estoques raciais diferentes ou que pertencem a ‘raças’ distintas. (...) O padrão brasileiro de relação social, ainda hoje dominante, foi construído por uma sociedade escravista, ou seja, para manter o negro sob a sujeição do branco. Enquanto esse padrão de relação social não for abolido, a distância econômica, social e política entre o negro e o branco será grande, embora tal coisa não seja reconhecida de modo aberto, honesto e explícito”.
O legado e a atuação de Florestan Fernandes são fundamentais para a formação dos intelectuais brasileiros e delegam para a classe universitária um papel político na luta de classes. Celebrar os cem anos do nascimento dessa figura central da história da luta política, e da intelectualidade brasileira, é uma oportunidade de difundir suas ideias e atualizá-las.
*Luna Brandão é educadora social