Por Danilo Alves*
O caro interlocutor que me provocou a escrever este texto é o querido Rodrigo Vaz, alguém que nutro profunda estima. Sua última contribuição me fez pensar sobre a peleja entre ciristas e lulopetistas, termos que carregam um teor pejorativo para ambos os grupos e serão objeto de reflexão posterior. Tentarei desenvolver meu raciocínio respondendo diretamente pontos que ele suscitou, obviamente com todo o respeito e rigor que ele merece e sempre me reservou, e também tendo como eixo ideias comumente defendidas por Ciro Gomes e seus correligionários, ideias as quais denomino nesta série de escritos por cirismos. Já diria Leonardo Boff que todo ponto de vista é a vista de um ponto, o meu é de um militante filiado ao Partido dos Trabalhadores, ou, melhor dizendo, um lulopetista.
As eleições de 2018: “Isso que a gente vive atualmente é em grande parte responsabilidade de uma meia dúzia que comanda o PT nacional”.
Afirmar que o ocorre hoje é resultado do pleito de 2018, tese consolidada entre entusiastas de Ciro Gomes, leva a crer que, caso o PT tivesse o apoiado incondicionalmente, este teria ido ao segundo turno, vencido, e o Brasil seria outro hoje. A meu ver, esta visão: a) nega o que é a política nua e crua para além de idealismos morais e religiosos, paradigma este contestado pelo menos desde o Renascimento com Maquiavel; b) dá um salto no escuro ao colocar a vitória de Ciro Gomes sobre Bolsonaro como uma verdade absoluta e inquestionável; e c) reduz algo muito mais complexo, o bolsonarismo, ao mero fenômeno político-eleitoral.
Ciro Gomes foi convidado a ser vice de Lula, recusou o convite afirmando ser “uma falta de respeito com a boa-fé da esmagadora maioria da população brasileira”, ao fazer crer que existiria alguma chance concreta de Lula ser o candidato, discordando assim da tática de transferências de votos. Diga-se de passagem, o movimento de Cristina Kirchner na Argentina foi justamente o de transferir seu capital político a um correligionário que defendesse este legado. Se por um lado Lula e o PT acreditavam que a melhor forma de transferência seria mantendo sua candidatura, Ciro por sua vez negara assumir o papel de “poste”.
Seguiram cada um seu caminho, com os ânimos acirrando-se cada vez mais. Ciro buscou construir um amplo arco de alianças que ia do PP, passava pelo DEM e chegava ao PCdoB e PSB, afastando assim estes últimos da órbita petista. Ao final, o PT manteve o apoio do PCdoB e inviabilizou o apoio do PSB a candidatura pedetista. Considero legítimas, embora não concorde, todas as escolhas e movimentos realizados por Ciro, desde a escolha em não ser vice até a construção de uma aliança que atraísse partidos aliados do PT, é do jogo. O que não se sustenta é a acusação de que seu fracasso é culpa do PT por ter inviabilizado o PSB. Se Ciro tivesse triunfado, não seria a partir da mesma estratégia petista de busca de apoios de aliados do oponente? O que naquele momento o PT deveria fazer? Abrir mão do PSB e incentivar sua aliança com outro partido gratuitamente? Existe na história registro de uma força política abrir mão de apoio para privilegiar outra força adversária? Eu francamente desconheço!
A afirmação com ares de causalidade de que Ciro teria vencido o pleito de 2018, caso tivesse chegado ao segundo turno, alicerça-se em pesquisas eleitorais que apontavam para isso. Uma primeira contrapartida a este dogma reside no fato que, desde a redemocratização, nenhum candidato que tenha terminado o primeiro turno na frente sofreu uma virada no segundo turno do pleito presidencial.
Soma-se a isso a força da poderosa máquina de desinformação e propagação de fake news da qual o bolsonarismo fez e ainda faz uso, e como tem ficado cada vez mais claro, tem vínculos internacionais. O perigoso e irrestrito apoio das forças armadas, milícias e polícias militares, além da sanha da elite em consolidar a perversidade neoliberal, mesmo que por meio de um psicopata abjeto e tosco.
É verossímil acreditar que, caso Ciro Gomes chegasse ao segundo turno, ainda não seria para o jornal Estadão “uma escolha muito difícil”? Ou que respeitariam democraticamente um resultado que não tenha sido o que foi? Pode ser que sim, pode ser que não. O que fica claro, a meu ver, é a insustentável leveza da afirmação de que o Brasil hoje seria aquele folheto de Testemunhas de Jeová, com crianças brincando, tigres e aves com um arco íris ao fundo, se o PT tivesse literalmente se anulado enquanto partido, se Ciro tivesse chegado ao segundo turno, se... Enfim, são literalmente muitos "ses".
*Danilo Alves é professor da Rede Pública Estadual de São Paulo, Mestre em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC, filiado ao Partido dos Trabalhadores.
*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.