Por Francisco Vieira do Nascimento Neto*
Diante das diversas discussões que envolvem o uso dos bens naturais pelo homem, uma questão que se coloca em evidência na atualidade é o usufruto de um elemento primordial à sobrevivência da humanidade: a água, pois sem esta a vida perece.
Sob a égide do capital, todo elemento natural se torna mercadoria. A água não foge desta racionalidade. No dia 24 de junho do corrente ano, no Brasil, pudemos verificar um exemplo concreto desta racionalidade da qual estamos chamando atenção, por meio da aprovação no Senado e na Câmara dos Deputados Federal do PL 4.162/2019 caracterizado como o “novo” marco legal do saneamento ambiental, de relatoria do senador empresário Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O texto aprovado prorroga o prazo para o fim dos lixões, facilita a privatização de estatais do setor e extingue o modelo atual de contrato entre municípios e empresas estaduais de água e esgoto. Coloca a concorrência e a obrigatoriedade de licitação como estratégias centrais para uma possível universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, transformando os contratos em vigência em concessões com a empresa privada que vier a assumir os serviços prestados pelas estatais.
De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento, em 2018 existiam 39,4 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada e 101 milhões não têm serviços de coleta de esgoto. Essa mesma fonte, aponta que o investimento no saneamento por pessoa na rede pública é de R$ 405,00; enquanto na rede privada é de R$ 377,00. Em relação à tarifa cobrada, a média per capita do setor público é de R$ 3,78 e do setor privado R$4,72.
Esses dados nos revelam que, se por um lado há a necessidade concreta da
efetivação de uma política de saneamento ambiental universalizante, tendo em vista sua essencialidade para melhora das condições de vida e de saúde de toda população; por outro lado, já sinaliza que o setor público investe mais no saneamento por pessoa e cobra menos por isso – evidenciando uma das suas finalidades, satisfazer as necessidades da população – embora o principal discurso para aprovação da proposta privatizante dos serviços de saneamento seja que o setor público é incapaz de ampliar a cobertura do seu acesso por falta de dinheiro e que os serviços sob sua responsabilidade oneram cada vez mais o Estado. Em verdade, o próprio governo vem sucateando a política de saneamento para utilizar a suposta ineficiência do setor público como argumento para aprovar a privatização.
Somos contra esse processo de privatização da água, sob a forma de saneamento ambiental e defendemos esse serviço público. As experiências mundiais já demonstraram a falácia da melhoria dos serviços de saneamento pela iniciativa privada, que só visa o lucro e não garante maior acesso nem aumento de investimento no setor, menos ainda a melhoria nas condições para as populações mais vulneráveis socioeconomicamente.
Em Berlim, o saneamento esteve por 13 anos sob uma parceria público-privada. A população respondeu a um plebiscito e o resultado foi a volta das concessões ao poder público. Em nove anos de privatização do saneamento na Inglaterra, o gasto com o serviço aumentou 46%, já o lucro das empresas subiu 142%. Nos Estados Unidos só 6% do saneamento pertence ao setor privado. Entre as 15 cidades brasileiras com melhor saneamento ambiental, apenas uma é privada. As experiências com a privatização da água e do saneamento público ao redor do mundo tiveram o mesmo resultado: encarecimento das tarifas; redução de investimentos; interrupção da ampliação da rede de serviços.
Portanto, as experiências mundiais comprovam: saneamento ambiental precisa ser público, e água não deve ser mercadoria. Não deu certo no mundo inteiro, mas querem que dê certo no Brasil? A falta de capacidade técnica e perversidade da maioria dos parlamentares brasileiros que desconsideram as experiências ocorridas no mundo colocam em risco a vida e o acesso a um bem de direito humano: a água. Mais uma vez, beneficiam os mais ricos e são contrários aos interesses da grande maioria empobrecida do Brasil. É necessário fortalecermos a luta contra toda e qualquer forma de privatização da água, seja a privatização do setor de saneamento ou dos diversos projetos privatizantes da água pelo capital financeiro.
*Francisco Vieira do Nascimento Neto é Assistente Social, especialista em Saúde do Adulto e do Idoso (HU/UFS), mestrando em Serviço Social (UFS) e desenvolve pesquisas sobre a privatização do saneamento ambiental inserida na lógica da privatização das águas. Coordenador do Coletivo de Assistentes Sociais Resistência e Luta.
*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.