Por José Guimarães*
O Congresso Nacional possui dois importantes projetos de discussão para as próximas semanas: a continuidade do pagamento do auxílio emergencial sem a diminuição do valor — não aceitaremos o encolhimento defendido por Bolsonaro e Guedes — e a plena execução da renda básica de cidadania, projeto já sancionado pelo ex-presidente Lula em 2004, mas até agora não regulamentado. Em tempos de pandemia, é urgente direcionar atenção aos mais desfavorecidos.
O primeiro marco diz respeito à manutenção do mínimo necessário para a sobrevivência dos informais durante a crise econômica causada pela pandemia do coronavírus, que parece estar longe do fim. Uma vez que o estado de calamidade vai até o dia 31 de de dezembro do corrente ano, nada mais justo que esse repasse se efetive até lá. É o que prevê o Projeto de Lei 2357/2020, de minha autoria.
O segundo marco se refere ao pós-crise e aos desafios que a classe trabalhadora enfrentará no que vem sendo chamado de “novo normal”. O auxílio emergencial, como o próprio nome deixa claro, possui um caráter de urgência, momentâneo, que não abarca o pós-pandemia. Já a renda básica de cidadania, luta história do Partido dos Trabalhadores e aplicada ao redor do mundo, vai garantir que os efeitos da crise não atrapalhem a satisfação das necessidades básicas de cidadãs e cidadãos brasileiros.
A crise está longe do fim
No melhor dos cenários, a vacina contra o vírus está prevista para o primeiro semestre do ano que vem. Supondo que a vacinação em massa se efetive, o que também não é garantido, a crise econômica, ainda assim, não estará superada. É fundamental, pois, traçar estratégias que equalizam a balança entre as responsabilidades fiscal e social.
A falta de liderança de Bolsonaro na superação do caos sanitário no qual estamos fez com que a força de trabalho sofresse uma regressão severa, problema que se acentua com o avanço da pandemia. Avisamos que seria melhor aderir ao distanciamento social preservando os empregos, mas não fomos ouvidos. Resultado: o vírus continua a circular, a tendência de contaminação não está estabilizada e a massa de trabalhadores tende a permanecer desassistida no pós-crise.
É essa parcela populacional que poderá ser beneficiada com a aplicação da renda básica de cidadania. Não se trata de esquecer o Bolsa Família, como quer o viúvo do Estado Mínimo, Paulo Guedes, ao propor o Renda Brasil. Ao contrário do ministro liberal, propomos que os dois programas vigorem em conjunto.
A renda cidadã atingiria uma nova parcela de pessoas, mulheres e homens que não se encaixam nos pré-requisitos do Bolsa Família e que sentem na pele as incertezas da informalidade. Trata-se de auxiliar os trabalhadores que perderam oportunidades com a crise do coronavírus e de garantir que tenham a capacidade de consumir, continuar produzindo e, assim, movimentar a economia.
Depressão econômica
O próprio Banco Mundial é contundente ao avaliar que 7 milhões de brasileiros podem cair na pobreza em decorrência do fim precipitado do repasse de R$ 600 que aprovamos no Congresso. Trata-se de uma previsão catastrófica, que sinaliza a necessidade de continuidade do pagamento da renda básica emergencial.
Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade King's College London e da Universidade Nacional da Austrália, junto com o Instituto Mundial das Nações Unidas para a Pesquisa Econômica do Desenvolvimento (UNU-WIDER), é ainda mais assustador: até 14,4 milhões de brasileiros podem ser jogados na pobreza.
São números alarmantes e que evocam a necessidade de um Estado atuante no combate à miséria, e não alinhado aos interesses do sistema financeiro, aos moldes do que Guedes deseja. Como de praxe, quem concentra poder não parece disponível a ajudar. Em meio à pandemia, bancos elevam juros e cortam linhas de créditos que poderiam socorrer pequenos negócios, mesmo tendo recebido R$ 1 trilhão do Banco Central.
O (bom) exemplo do Bolsa Família
Não há como colocar o impacto econômico da pandemia acima dos cuidados com o povo. A crise na saúde pública possui efeitos desiguais e deveria ocupar o espaço prioritário nas decisões do governo, principalmente as que se relacionam com a ajuda aos mais pobres. Assim tem sido com o Bolsa Família, legado petista que trouxe dignidade a milhões de brasileiros e estrutura a cadeia de sobrevivência social das famílias de um país injusto.
Criado em 2003 pelo ex-presidente Lula, o Bolsa Família, até 2016, atendeu 13,9 milhões de famílias, com valor médio mensal de R$161,14 (04/2016). Até esse período, foram investidos mais de R$ 26 trilhões, montante equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto. Para se ter noção do resultado positivo do programa, cada R$ 1 investido teve impacto de R$1,78 no PIB, em especial no consumo e na renda.
Sabendo que a imensa quantidade de trabalhadores informais é uma realidade já antiga, pois vem sendo mapeada por sucessivos levantamentos de órgãos como IBGE, por que não voltar as atenções, de forma permanente, a essa parcela populacional? É esse o reforço necessário para superar o desemprego crônico e impulsionar o consumo. Ganha o povo, ganha o desenvolvimento econômico.
Necessidades urgentes
Não podemos perder de vista que a extensão da crise será determinada pela expansão do vírus pelo país. Além de pressionar para que o governo Bolsonaro reconheça a importância da responsabilidade social sobre a economia, precisamos defender o pagamento do auxílio emergencial pelo menos até o fim da situação de calamidade pública e traçar caminhos de saída para a recessão que se avizinha.
Defender a implementação da renda básica de cidadania como política de Estado, portanto, é fundamental para garantir condições de sobrevivência e amparo aos trabalhadores brasileiros. Para além do propósito social, a proposta vai garantir que a roda da economia volte a girar. Mais uma vez, está evidente que promover a divisão do bolo é mais eficaz do que esperar o seu crescimento para só então ser partilhado.
*José Guimarães (PT/CE) é deputado federal e líder da Minoria na Câmara
*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum