Por José Virgílio Leal de Figueiredo*
Está no Dicionário: “Conjunto dos hábitos sociais e religiosos, das manifestações intelectuais e artísticas, que caracteriza uma sociedade. Normas de comportamento, saberes, hábitos ou crenças que diferenciam um grupo de outro. Conjunto dos conhecimentos”.
Os significados acima referem-se à cultura. Um povo só se reconhece, se entende e constrói um caminho para o futuro preservando e cultivando sua cultura. Parece óbvio. Mas nem todos pensam assim.
País imenso, o Brasil, de tantas realidades, jeitos, pensamentos distintos e, por tudo isso, de culturas ricas, variadas, de norte a sul, leste a oeste, volta e meia enfrenta momentos em que a cultura é atacada, solapada, abalada. Um segmento que estimula o pensamento, a reflexão, o diálogo, tende a ser o temor dos autoritários, dos intolerantes e preconceituosos.
Foi assim no nazismo, no fascismo, em regimes totalitários ao longo da trajetória humana, na ditadura militar brasileira a partir de 1964, quando inúmeros artistas e intelectuais precisaram deixar o país e outros tantos foram assassinados, desaparecidos, perseguidos.
E, desde o início de 2019, quando o atual governo teve início e um verdadeiro desmonte tem sido perpetrado. Começou no primeiro dia de mandato, com a extinção do Ministério da Cultura.
Pasta essa que, especialmente nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira, em governos anteriores, propiciou importantes passos na democratização de acesso às artes (cinema, literatura, artes visuais e cênicas, fotografia etc); a propagação de projetos de formação de plateia; os pioneiros e essenciais Pontos de Cultura, que a levaram para áreas em situações de vulnerabilidade, comunidades e os rincões do país; o apoio a festivais e à produção artística através das leis de incentivo, que não foram criadas nesses mandatos, mas foram fortalecidas e expandidas.
O que presenciamos atualmente é uma aberração, de picuinhas a atitudes desastrosas, intransigentes e à tentativa escancarada de destruição do nosso patrimônio cultural.
Cartazes de filmes brasileiros retirados da sede da Agência Nacional de Cinema (Ancine), somente por que vários dos diretores têm pensamento diferente. Fotos de Sebastião Salgado devolvidas pela atual diretora da Funai somente por que o fotógrafo fez uma crítica. Ancine, por sinal, que passa por uma crise interna, com todo o segmento audiovisual (que gera milhares de empregos e movimenta milhões de reais todos os anos) paralisado.
E o que escrever sobre secretários de cultura que ora incensam o nazismo copiando Joseph Goebbels, ora minimizam a ditadura. Respectivamente Roberto Alvim e Regina Duarte, que, apesar de virem do teatro e da televisão, mostraram-se extremamente despreparados para a função.
Já a Fundação Palmares possui um presidente que renega a própria identidade, xinga Zumbi e crítica o movimento negro.
Chegaram ao cúmulo de indicar uma blogueira sem conhecimento da área para assumir o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Artistas tentam resistir. Passam por dificuldades tremendas, pois a pandemia praticamente impede que o setor se movimente e os projetos sejam desenvolvidos. Festivais de música, teatro e cinema migram para o online, mas a relação com a plateia não é a mesma.
Vivemos um dos piores momentos de nossa frágil democracia, um dos períodos mais nefastos de nossa conturbada história. E a atual presidência sabe que, atacando a cultura, prejudicando o livre pensar e manifestar artístico, consegue oprimir a oposição, o pensamento contrário. É assustador, é difícil, mas não vamos deixá-los vencer. Onde há cultura há vida, há história, há avanços em prol de um mundo mais justo.
*José Virgílio Leal de Figueiredo é presidente do Instituto Arte no Dique.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum