Por Kerison Lopes *
Faltando uma semana para a realização do segundo turno da eleição presidencial, apelei no grupo da Família Lopes. Ali estava minha relação mais direta com eleitores de Bolsonaro, a quem eu tentava um apelo desesperado para mudar o voto. Usei a declaração do futuro presidente em defesa da tortura e do extermínio de comunistas na ditadura militar. Como a família conhecia minha opção pelo comunismo desde quando cheguei nos dois dígitos de idade, poderiam se sensibilizar pela preservação da minha vida. Claro que a tática deu errado e acho que ainda fiquei numa posição meio ridícula de fazer chantagem emocional.
Com todas as ameaças que fez aos comunistas ao longo de sua carreira política, já esperávamos vida dura e possíveis perseguições para nosso pessoal num governo Bolsonaro. Trazíamos na cacunda o peso da tradição de ser comuna em ditaduras anteriores, que trouxe histórias terríveis que aprendemos e nos preparamos para enfrentá-las. Ameaças inclusive de morte, que é o que fascista sempre pregou aos quatro ventos contra nós.
Passados um ano e meio de governo, a forma de dominação fascista mostrou novos contornos. A nova ditadura atinge o estágio mais avançado da necropolítica, termo que melhor consegue categorizar a atual etapa do fascismo brasileiro. Devemos a Achille Mbembe, cientista político sul-africano, a moderna definição de necropolítica, que consisite na política "efetuada pelo Estado com o poder e a capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”. Diferente dos tipos anteriores de ditadura, baseada na eliminação de adversários políticos, o necropoder é assassino de novo tipo, com capacidade genocida em larga escala.
E quis o destino que a maior pandemia dos últimos tempos chegasse ao mundo justamente quando estamos por aqui sob a sombra do comando de um déspota com seu projeto de morte. A imprensa internacional já elegeu Bolsonaro como o pior líder do mundo no enfrentamento à pandemia do coronavírus. Mais que irracionais, suas atitudes em relação à doença, desde o início, beiram ao genocídio que já leva o Brasil a amontoar dezenas de milhares de mortos. À deriva, neste momento somos obrigados a romper com o distanciamento social justamente quando aumenta exponencialmente as estatísticas fatais, que deve nos colocar como o país que mais perdeu vidas com a Covid.
O vídeo da reunião ministerial que veio a público na sexta-feira expôs com clareza a verdadeira guerra civil que está sendo preparada como próxima etapa de perpetuação do necropoder. Desde que chegou ao governo, Bolsonaro está armando sua base, principalmente suas milícias, para manter-se no Palácio do Planalto em qualquer que seja a situação. Em determinado momento, o presidente escracha na reunião: "Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá pra segurar mais!”
Enquanto às instituições do país acompanham impassíveis a escalada autoritária, os fascistas já estão até acampados na Esplanada de Brasília para resistir no poder a qualquer custo.
Assim, a cada dia que passa, as dificuldades para apear Bolsonaro da presidência aumentam.
Finalmente, na semana passada, os partidos de oposição protocolaram mais um pedido de impeachment. Não vai ser fácil fazer avançar no Congresso com maioria comprometida com as benesses fisiológicas fornecidas pelo governo, vindas para o grupo que é chamado de Centrão. Mais difícil ainda em função da impressionante resistência de um número considerável de apoiadores do presidente. Ele sustenta-se na parcela mais radical que foi alcançada na eleição de 2018 e que segue guiada por inteligência artificial, ou “burrice” artificial de robôs altamente eficientes.
Não resta outro caminho a não ser resistir. E hoje isso significa lutar pela derrubada do governo. Quanto mais rápido as instituições que garantem a combalida democracia agirem, mais vidas serão poupadas. Como já nos ensinou Drummond: “Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação. ”
* Kerison Lopes é presidente da Casa do Jornalista de Minas