Por Débora Corrêa de Siqueira*
“A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue”
(Chico Buarque)
A história, na alegoria proposta por Chico Buarque, atropela indiferente quem quer que seja que a negue. O Brasil, neste momento de isolamento social, confere ao presidente Bolsonaro, o ingrato papel de estar na contramão da história e, portanto, à margem de um dos períodos mais representativos do país, o da união de brasileiros e brasileiras pela preservação da vida, como valor que importa para todas e todos, sem exceção.
A pandemia do Covid-19 no Brasil inaugurou uma “estranha” aglutinação do povo brasileiro em torno da preservação da vida, indiferente ao comando do presidente eleito, que vem priorizando a economia, como o bem maior da nação, já que como ele justifica é o “sustento de homens e de mulheres de bem que precisam levar o pão às suas casas”. Mas não há nem deve haver, oposição entre a economia e a vida, pois ambas estão inexoravelmente entrelaçadas.
Desde a odiosa divisão política que se instalou na sociedade brasileira, em todas as famílias, na qual se propagou a ideia de que o mal do país estava configurado em um campo e o bem em outro, não se via uma coesão tão expressiva em torno da ideia do valor da vida, da ciência e da solidariedade.
Grande parte do sucesso do grupo político que se instalou em Brasília, através da eleição de Bolsonaro, veio fundado nesta aposta da divisão da sociedade, na ideia de que quem pensa diferente deve ser excluído do debate público, e o ápice deste antagonismo parece não se esgotar: ataques e ofensas, via plataformas de mídias sociais aos que pensam diferente, até mesmo por parte de autoridades, que, ao atacar países, como a China, por exemplo, minam a necessária confiança que deveria reger as relações comerciais estabelecidas entre os dois países.
Nesse contexto, o discurso de Bolsonaro, que precisa alimentar a divisão e o conflito, se viu desafiado e desafinado. Como fomentar o ódio em um ambiente que clama por solidariedade?
Vem daí, talvez, o discurso presidencial, que ainda acrescenta certa dubiedade, pois ao pregar a manutenção do isolamento social apenas para idosos e grupos de risco, espera que os brasileiros o apoiem, ao mesmo tempo em que reluta, pelo menos no discurso, se voltar claramente contra a ciência e os organismos internacionais, em especial divergindo da Organização Mundial de Saúde e de seu próprio ministro da área.
Sua contrariedade com as medidas de isolamento social e um discurso pela volta ao trabalho parecem ter um objetivo claro: de que nos lembremos de ele é o presidente, candidatíssimo à reeleição, pois, sem tal postura, vê sua autoridade ofuscada na crise. Sem embasamento científico, sem apoio de governadores e prefeitos, precisa constantemente lembrar de que é o líder máximo a quem todos devem obediência, esquecendo que nenhuma liderança pode ser imposta e, sim, conquistada continuadamente junto a todos os cidadãos, sejam eles seus eleitores ou não.
*Débora Corrêa de Siqueira é doutora em Ciências Humanas e Sociais, com mestrado em Comunicação e Licenciatura em Pedagogia e bacharel e licenciada em Ciências Sociais.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum