Por Ronaldo Pagotto
O projeto da lei da ajuda emergencial (apelidada de renda básica), aprovado na Câmara no dia 26 e ratificado pelo Senado nessa segunda (30), é o projeto de Lei 1066/2020 do Senado ou Projeto de Lei 9236/17 (substitutivo de Eduardo Barbosa). O texto contém sete artigos e podem ser organizados em quatro temas:
- Alterações nas regras do BPC – Benefício de Prestação Continuada
- A instituição de uma “renda” básica de R$ 600,00 por mês, por três meses, podendo alcançar R$ 1.200,00 mensais se cumpridos os requisitos (a seguir);
- Alterações na concessão de Auxílio Doença;
- Alterações na contribuição patronal ao INSS referente aos trabalhadores afastados em razão da Covid19.
O texto já foi devidamente detalhado pelo Dieese e tecerei apenas alguns comentários.
1) Alterações das regras do BPC – Benefício de Prestação Continuada
O BPC passa a ter uma regra mais restritiva para o acesso desde a aprovação da lei até 31/12/2020 (após isso volta ao regramento atual). Hoje é elegível o idoso / deficiente com renda per capta familiar de até meio salário mínimo (R$ 522,50 hoje). Essa lei altera isso, passando a ser restrito a quem comprove renda per capita de até 25% do salário mínimo (R$ 261,25).
Essa alteração é prejudicial e restringe o acesso atual.
A lei prevê que esse valor máximo per capita poderá ser de 50% do salário mínimo (regra atual) se preenchidos vários requisitos (grau de dependência pra viver; circunstâncias pessoais e fatores socioeconômicos – para além do básico do BPC), que são, em grande medida, uma burocracia para comprovar, especialmente em tempos de pandemia e de caos no INSS.
A restrição é inexplicável.
No mesmo tema há uma alteração benéfica e que garante a possibilidade de outra pessoa da mesma família, preenchidos os mesmos requisitos, ao BPC, sem que a renda obtida em razão do benefício da outra pessoa da família seja computado para auferir a renda e o enquadramento nas restrições.
As mudanças relacionadas ao BPC estão contidas nos artigos 1o e 3o.
2) Sobre a instituição de um benefício (renda) para o período da calamidade
A proposta é limitada a 3 meses, a partir da publicação da lei, podendo ser prorrogada a partir de ato do poder executivo (decreto). O beneficio será de R$ 600,00 por pessoa, podendo, em uma mesma família, alcançar R$ 1.200,00.
Os critérios de elegibilidade são: idade acima de 18 anos; não ter emprego formal; não ser titular de beneficio da previdência ou assistência social, ressalvando o Bolsa Família (que a pessoa poderá optar por receber esse beneficio se for superior a Bolsa Família); renda per capita de até 50% do salário mínimo ou renda familiar total de até três salários mínimos e que tenha recebido até 28.559,70 no ano de 2018 e que exerça atividade como Microempreendedor Individual (MEI), o contribuinte individual ou trabalhador informal, de qualquer natureza, inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) ou que cumpra o requisito inciso IV, até 20 de março de 2020.
A lei limita a duas pessoas da mesma família e para as famílias monoparentais, com a responsabilidade da mulher, poderá ser de dois benefícios.
Limites
a. Considerar a renda de 2018 como um limitador é desconsiderar a crise em que muitas pessoas perderam o emprego e faliram seus negócios. A regra de renda, ausência de emprego formal, ser microempreendedor (MEI) ou informal seria suficiente. Essa regra pode excluir muitas pessoas que tiveram essa condição em 2018, mas estão em condição de miserabilidade atual.
b. Reconhecer a possibilidade de dois benefícios para famílias monoparentais, mas restringindo a mulheres, mesmo sendo elas a maioria nessa condição, é excludente e injustificável.
c. A parte burocrática será a partir de uma “plataforma digital para autodeclaração” desconsidera que muitas pessoas nessa condição – informais e desempregados – não tem acesso a ferramentas digitais e isso será, na prática, uma restrição ao acesso.
d. O conceito de família e domicílio para restringir o acesso é adequado as padrões dos setores médios, mas as populações mais vulneráveis manejam, pelas necessidades da vida, uma relação com a moradia das mais variadas formas, sendo, por vezes, normal a co-habitação de famílias diferentes, sendo ou não parentes, vivendo em uma mesma área. Outro fator é que em muitas áreas de ocupação as pessoas utilizam um endereço mais fácil para chegada de correspondências e outros fatores e isso pode ser usado contra as pessoas necessitadas.
3) Alterações na concessão de Auxílio Doença;
O INSS vive uma situação de CAOS, o que é um fato inconteste na realidade. Diante disso, e a intensificação dos casos de Covid19, a lei autoriza o INSS a antecipar o benefício em APENAS um salário mínimo durante o período de três meses, a contar da publicação desta Lei, ou até a realização de perícia pela Perícia Médica Federal, o que ocorrer primeiro.
Limites: na prática essa antecipação concederá um salário mínimo, valor inferior para quem tem salário superior a R$ 1.500,00, representando um problema importante, já que é uma lei para tratar de um quadro de pandêmia, com muitas pessoas necessitando do auxílio doença e a lei não facilita isso, apenas concede um salário mínimo até a realização da perícia. Se considerado o já mencionado caos do INSS, por razões políticas, a situação será prejudicial aos enfermos.
Outro fator é manter a carência da lei (reformada em janeiro de 2019, que ampliou as restrições).
4) Alterações na contribuição patronal ao INSS referente aos trabalhadores afastados em razão da Covid19.
Há uma alteração na contribuição patronal para os casos de trabalhadores afastados em razão da Covid19, situação em que os empregadores farão uma dedução da contribuição patronal ao INSS até o limite legal.
É importante considerar que a aprovação dessa lei e o valor definido são uma conquista. Mas a mesma lei tem um conteúdo restritivo do BPC, injustificável e imoral, ao mesmo tempo que impoe um caminho burocratico que poderá restringir o acesso ao beneficio, além de limitar sem razões justificáveis, o acesso e os demais pontos já comentados.
Será preciso que a sanção seja acompanhada, um dos temas que mereceria um pleito de veto presidencial é dos dispositivos restritivos, e, passando essa etapa da sanção, o desafio é garantir uma aplicação efetiva da medida, para que os amplos setores necessitados de medidas concretas possam contar com esse apoio do Estado brasileiro.