Por Rosilene Corrêa / Sinpro-DF *
Na série de documentos intitulada “Curar o Mundo”, o papa Francisco tratou do aumento da desigualdade e seus reflexos no enfrentamento da maior crise dos últimos anos, a pandemia da Covid-19. Ele não resumiu isso à pandemia. Muito apropriadamente, ele lembrou que os sintomas de desigualdade mostram que existe uma doença social provocada por “um vírus que advém de uma economia doente. É o resultado de um crescimento econômico desigual, independente dos valores humanos fundamentais. No mundo de hoje, muito poucas pessoas ricas possuem mais do que o resto da humanidade. É uma injustiça que clama aos céus!”
A fala do papa não é uma novidade para nós, brasileiros. Em nosso país, a desigualdade avança cada vez mais depois que, sem nenhum escrúpulo ou ética, deram um golpe no governo popular para conseguir implantar, de forma radical, uma política econômica baseada nos pressupostos do neoliberalismo.
Avançaram com uma reforma trabalhista, que, sob o pretexto de gerar empregos, instituiu uma enorme insegurança social. Os empregos esperados até hoje não apareceram porque não são os salários já aviltados dos trabalhadores brasileiros que o provocam. O desemprego é gerado por uma política econômica recessiva em si mesma, que, ao diminuir cada vez mais os salários, implode as condições de consumo do povo, desaquecendo a economia.
Não satisfeitos com o absurdo da reforma trabalhista, aproveitaram o momento da eleição de um candidato da extrema-direita para implantar a reforma previdenciária. Aumentaram o tempo de trabalho para aposentadoria, acabando com a possibilidade de inserção de milhares de jovens no mercado de trabalho, ao mesmo tempo que reduziram os proventos, aumentando ainda mais a implosão das condições de consumo já decorrentes da reforma trabalhista.
A situação caótica da economia sob um governo que aplica uma política que fracassou em todo o mundo, veja o exemplo do Chile, usado como modelo pelo atual Ministro da Economia, levou à retomada do debate do imposto sobre as grandes fortunas, previsto no art. 153, inciso VII, da Constituição Federal de 1988. Observe que todos os impostos previstos no art. 153 da Constituição são cobrados, menos o Imposto sobre as Grandes Fortunas, que depende de uma lei complementar. Já se passaram mais de 30 anos e o Congresso Nacional não conseguiu estabelecer um consenso para fazer a lei complementar que regulamenta esse imposto.
Conforme o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), divulgado no fim de 2019, o Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo, ficando atrás apenas de nações do continente africano, como África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto e Moçambique. O levantamento tem como base o coeficiente Gini, que mede desigualdade e distribuição de renda. O documento destaca ainda que apenas o Catar tem maior concentração de renda entre o 1% mais rico da população do que o Brasil.
"A parcela dos 10% mais ricos do Brasil concentra 41,9% da renda total do País e a parcela do 1% mais rico concentra 28,3% da renda". A situação é tão absurda que um auxílio de pouco mais de cem dólares, 600 reais, teve impacto na diminuição dessa desigualdade. Um auxílio que o governo foi obrigado a dar depois de proposto e aprovado pela oposição, no Congresso Nacional, e absorvido, atualmente, por um aumento absurdo e sem precedentes do custo da cesta básica nos últimos anos.
Acompanhando as reflexões do papa Francisco, a Oxfam, em seu relatório intitulado “Quem paga a conta?”, informa-nos que, mesmo em plena pandemia, 73 bilionários da América Latina e do Caribe aumentaram suas fortunas em US$ 48,2 bilhões (equivalentes a cerca de R$ 268.624 bilhões) entre março e junho deste ano. No Brasil, 42 desses bilionários tiveram suas fortunas aumentadas em US$ 34 bilhões (R$ 189.486 bilhões).
No caminho contrário à justiça fiscal, o atual governo federal insiste em tentar tributar os mais pobres e até desempregados, aumenta a contribuição dos aposentados e trabalhadores da ativa, diminui e quer extinguir o auxílio emergencial devido à pandemia. Nem sequer cogita, na contramão do mundo, implantar o imposto sobre as grandes fortunas. Por isso, o Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e mais 50 entidades em todo o país lançaram, no dia 29/10, e mantêm em curso, a campanha “Tributar os Super-Ricos”, com a qual defendem a implantação de medidas tributárias capazes de solucionar a crise financeira do Brasil sem massacrar os mais pobres.
Os números da desigualdade e a crise sem precedentes que nosso país e o mundo irão enfrentar, em 2021, exigem que o Imposto sobre as Grandes Fortunas seja implantado. Mas isso só acontecerá se houver uma ampla mobilização e conscientização do povo brasileiro sobre a necessidade de justiça fiscal. Enquanto isso não acontece, nós, os pobres, pagamos a conta. E como diz o papa Francisco, “é uma injustiça que clama aos céus!”
*Rosilene Corrêa é pedagoga, aposentada como professora de Atividades da rede pública de ensino do Distrito Federal, diretora do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), diretora da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.