Por Aloizio Mercadante *
Em menos de uma semana, os dois principais jornais do estado de São Paulo transformaram conquistas históricas dos negros, das mulheres, dos estudantes e de todos aqueles que lutam por um Brasil mais justo e solidário para todos em verdadeiros acasos da natureza. Primeiro foi Folha de S. Paulo que, no dia 22, que publicou a matéria “Negros estão na faculdade, e não (só) para fazer faxina”. Depois, foi a vez de O Estado de S. Paulo que, neste domingo (27), manchetou: “Com mais mulheres, negros e pobres, Medicina muda perfil”.
O que pode passar despercebido pelos menos atentos é que as duas matérias omitem deliberadamente a informação de que esse processo de inclusão educacional e de resgate de um passado de atraso na educação superior brasileira é fruto de políticas públicas que enfrentaram poderosas resistências corporativas e conservadoras. É também resultado de anos de luta e de resistência de movimentos sociais.
Ao contrário do que fazem parecer as duas matérias, o aumento da presença de negros, de mulheres e dos mais pobres em nossas universidades não foi um ato de geração espontânea. O que a Folha e o Estadão relutam em publicar é que esse processo de inclusão é resultado dos governos do PT, que colocaram a educação no centro estratégico das políticas públicas nacionais e que passaram a pensar o processo educacional de forma sistêmica e integrada em seus diversos níveis, com foco na inclusão, na permanência e na indução da qualidade.
Sob a batuta do presidente Lula, os ex-ministros Tarso Genro e Fernando Haddad deram início a um ousado processo de inclusão educacional, ao qual demos continuidade e aprofundamos, com algumas inovações importantes, durante a minha gestão e dos outros ministros que me sucederam, como Henrique Paim, Cid Gomes, Renato Janine e Luiz Cláudio Costa, com o avanço na expansão da rede pública de ensino superior. A partir do Reuni, ampliamos e interiorizarmos a oferta de vagas, o que também ocorreu nos institutos federais. O Enem se transformou no caminho de oportunidades de acesso ao ensino superior e o Sisu possibilitou a disputa republicana de vagas na rede federal, com recorte preferencial para estudantes de escolas públicas, negros e indígenas.
O resultado foi um aumento de 150% nas matrículas de graduação, que saltaram de 3,4 milhões para 8,5 milhões, em 2015. Destas, 1,8 milhão foram no ProUni e 2,3 milhões no Fies, programas que utilizam o Enem como porta de acesso e que enfrentam a questão da baixa renda. No mesmo período, a rede de universidades federais, que era composta por 45 universidades com 148 câmpus, é expandida para 65 universidades com 327 câmpus, sendo a maior ampliação nas regiões Norte e Nordeste. As inscrições do Enem passaram de 1,8 milhão, em 2002, para 8,5 milhões, em 2015.
Já no governo da presidenta Dilma, durante a minha gestão como ministro da Educação e da saudosa Luiza Bairros como ministra da Igualdade Racial, aprovamos a Lei de Cotas (Lei 12.711/2012). As cotas foram fundamentais para o aumento da presença dos negros na educação superior em 267% durante os governos do PT e para que, em 2018, o número de estudantes negros ultrapassasse o número de estudantes brancos nas universidades públicas brasileiras.
Com o programa Mais Médicos geramos mais de 5 mil novas vagas nos cursos de medicina. Tudo isso,
exigindo leitos SUS como campo de prática, além de expansão das residências e a aplicação da Lei de cotas.
Por mais que a Folha e o Estadão não mencionem os feitos dos nossos governos em suas matérias, não se pode reescrever a história. Essas milhares de pessoas que passaram a frequentar as universidades em razão das políticas públicas desenvolvidas em nossos governos carregarão para sempre a marca de um novo Brasil que começamos a construir e que ousamos sonhar.
Temos certeza de que os bens inatingíveis, como a educação e o acesso à direitos, são agentes transformadores e portadores de futuro. Por isso, seguramente estão na memória e no coração do povo brasileiro e farão parte da disputa sobre qual Brasil vamos constituir para nossos filhos e netos.
O estado democrático de direito, tão ameaçado e agredido nestes tempos sombrios, precisa de uma imprensa absolutamente livre e plural. Mas, essa liberdade imprescindível não pode conviver com a ausência de diversidade, de pluralidade e de reconhecimento de todo o espectro de forças e de agentes políticos. A censura velada e a omissão frequente das significativas melhoras na vida brasileira, patrocinadas pelos governos do PT e dos partidos de esquerda, empobrece parte importante da imprensa e prejudica a democracia brasileira.
*Aloizio Mercadante é presidente da Fundação Perseu Abramo, foi ministro de Estado, senador da República e deputado federal.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.