Por Aloizio Mercadante *
A matéria “Negros estão na faculdade, e não (só) para fazer faxina”, publicada na terça-feira (22), no caderno especial da Folha de S. Paulo, que faz uma retrospectiva da última década, omite a informação fundamental de que a Lei de Cotas (Lei 12.711/2012) foi aprovada no governo da presidenta Dilma Rousseff, durante a minha gestão como ministro da Educação e da saudosa Luiza Bairros como ministra da Igualdade Racial. A omissão da informação é tão brutal que, em seu portal na internet, o jornal chegou a manchetar a mesma matéria com o título “Década colocou negros na faculdade, e não (só) para fazer faxina”, como se a década fosse uma agente executora de políticas públicas.
Tronar pública a informação sobre quem trabalhou e lutou pela aprovação da Lei de Cotas é fundamental para jogar luz sobre um processo histórico, que sofreu forte resistência da elite conservadora no Senado Federal e de parte significativa mídia, mas que representou uma vitória da luta do movimento negro e de todos aqueles que sonham com um Brasil mais justo, mais solidário e com oportunidades para todos e para todas. As cotas complementaram os esforços de ministros da Educação anteriores, como Fernando Haddad e Tarso Genro no governo Lula, que implantaram políticas públicas consistentes, como o Enem, o Reuni, o Prouni e o Fies, que abriram as oportunidades e iniciaram o processo que teve um extraordinário salto de qualidade com a Lei de Cotas.
A Lei de Cotas ataca dois problemas estruturais do país e da exclusão educacional brasileira: a desigualdade social e o racismo, já que a política prevê um recorte de renda e acesso, favorecidos para negros e indígenas, proporcionais aos seus pesos demográficos da raça em cada unidade da federação. Por isso, lutamos por mais de 13 anos por sua aprovação. Merece registro que, mesmo depois de aprovada, o DEM questionou judicialmente a Lei de Cotas no STF, que reconheceu a legalidade da mesma.
Ao contrário do que alegavam os críticos da Lei de Cotas, a inclusão proporcionada por ela não comprometeu a excelência dos cursos, mas encerrou um longo ciclo elitista e abriu novas oportunidades para os estudantes do Ensino Médio público, para negros e indígenas. Pesquisas acadêmicas apontam para o excelente desempenho dos alunos beneficiados pela política de cotas.
Além disso, outra crítica central à Lei de Cotas, de que essa política representaria uma agressão à meritocracia, também já ruiu. É evidente que a meritocracia não pode ser considerada fora das condições socioeconômicas e históricas, porque, isoladamente, contribui para reproduzir e perpetuar a desigualdade social e racial e a exclusão educacional.
Foi a Lei de Cotas que permitiu o aumento da presença de negros e negras na educação superior em 267% durante os governos do PT. Também foi a Lei de Cotas que permitiu pela primeira vez, em 2018, que o número de estudantes negros ultrapassasse o número de estudantes brancos nas universidades públicas brasileiras. A força da política de cotas ganha ainda mais relevância quando observamos que 35% dos formandos, que participaram do Enade em 2015, foram os primeiros da família a receberem um diploma de curso superior, o que representa uma profunda mudança intergeracional.
O grande desafio que se apresenta para 2022 é a renovação da Lei de Cotas, em um momento histórico em que o governo Federal é declaradamente contra essa conquista do povo brasileiro. Sabemos que a Lei de Cotas isoladamente não resolve os problemas de desigualdade social e de discriminação racial. Mas, temos a certeza de que é um instrumento fundamental, que contribui para superarmos o nosso passado de exclusão e discriminação racial educacional.
Por isso tudo, é adequado à prática do bom jornalismo que a Folha de S. Paulo resgate essa realidade histórica e que aponte para os leitores do jornal toda nossa luta, em conjunto com o movimento negro, pela aprovação da Lei de Cotas. É coerente que o jornal aponte as conquistas e avanços no combate à desigualdade dos governos do PT nominalmente, da mesma forma que faz nos editoriais críticos daquilo que considera como tendo sido erros de nossos governos.
Afinal, Folha de S. Paulo, não foi a década. Foram os governos do PT que levaram a cabo a maior inclusão educacional da História do Brasil, a partir de políticas públicas consistentes, articuladas e complementares.
Em homenagem a toda luta do movimento negro, finalizo esta reflexão citando Nelson Mandela, um gigante da luta pela democracia, pela igualdade, pelos direitos humanos e por uma civilização menos desigual: “a grandeza da vida não consiste em não cair nunca, mas em nos levantarmos cada vez que caímos”.
*Aloizio Mercadante é presidente da Fundação Perseu Abramo, foi ministro de Estado, senador da República e deputado federal.