Por Estevan Mazzuia *
A partir de hoje, “Fórum Folia” será aquele espaço que reconforta o coração, lustrando as memórias mais saudosas de sambas, sambistas e dos carnavais do passado, não sem antes cruzar com o Brasil do presente, essa coisa bufa que quer nos engolir.
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Ainda que muitos tentem sintetizar nossa querida pátria por meio de um aforismo de inspiração nazista, a verdade é que no Brasil, acima de tudo, sempre estarão o futebol e o carnaval. Os tais “ordem e progresso” ainda precisam de um temperinho bem tupiniquim: a esculhambação. Para nossa sorte, esculhambação não falta ao futebol, tampouco ao carnaval, revelando, com segurança, que seguimos no caminho certo, a despeito de tentarem incomodar Deus com nossas idiossincrasias tropicais.
Não há brasileiro que seja indiferente ao samba e ao carnaval. Há os que não os suportam, mas não há quem seja indiferente. A magia do samba e do carnaval tem o poder de fazer com que mesmo aqueles que evitam os festejos, reconheçam seu poder.
Viradas de mesa, julgamentos duvidosos, no manjado estilo Acadêmicos de Curitiba – não tenho como provar que a escola errou, mas tenho convicção – sempre ocorreram. Os concursos de escolas de samba invariavelmente terminam em incontáveis questionamentos acerca do resultado. Alguns, sem fundamento. Outros, agem à moda do Jair - Eu ganhei porque tive muita nota 10, mas teve fraude nisso aí, tá ok?
Na origem de tudo, o europeu criminosamente trouxe o negro acorrentado, que do “semba” fez o brasileiríssimo “samba”, em sua resistência. Aqui, nesta coluna, a gente também vai lembrar que, aquele samba que faz o tio reaça se remexer no churrasco da família, embalou foliões na avenida, antes de ser gravado pela cantora famosa. E lá vai o negro, em pleno século XXI, se requebrando para seguir resistindo aos incontáveis açoites da branquitude. Até os franceses se sentem à vontade para mandar descer a porrada neles por estas terras.
Pois bem, meus caros. A avenida é talvez o único momento em que os papeis sociais se invertem e as desigualdades se anulam. É o único espaço de nossa sofrida sociedade em que negros e negras são reis e rainhas. Onde brancos se submetem aos comandos dos organizadores da procissão pagã.
Enfim, oxalá possamos sobreviver melhor ao interminável desfile desse sanatório geral, no qual hipócritas fantasiados de pudicos entoam cânticos de louvor em meio à colérica onda extremista.
“Vai passar…”
*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.