Para ex-diretor do BNDES, economia brasileira só tem solução com o parlamentarismo, por Evilázio Gonzaga

Maurício Borges quer discutir suas ideias com o campo democrático e popular, pois, segundo ele, “fora da social democracia não há saída”

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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Por Evilázio Gonzaga* Ex-diretor do BNDES, nos governos Lula e Dilma, Maurício Borges propõe um roteiro, para a recuperação da economia do Brasil, que inclui a reforma tributária progressiva; uma política industrial agressiva, geradora de empregos; aprimorar a previdência solidária e fazer o bolo crescer, através do financiamento do desenvolvimento, em um modelo semelhante ao dos países asiáticos mais prósperos. Maurício, no entanto, ressalta, que qualquer saída para a economia do Brasil somente será bem-sucedida com uma reforma política, desenhada através de uma constituinte exclusiva, que implante o parlamentarismo e o voto distrital. O Facebook silenciou a Fórum. Censura? Clique aqui e nos ajude a lutar contra isso A economia industrial brasileira caminha para trás, em comparação aos países mais prósperos do mundo, desde os anos do período da ditadura militar. Embora a presença dos militares no poder tenha representado um hiato civilizatório no país, o grupo de generais que acabou vencendo as disputas internas nas Forças Armadas possuía fortes convicções nacionalistas e desenvolvimentistas. Então, enquanto o governo dispunha de recursos financeiros e políticos, a economia industrial foi estimulada e passou a ter um peso importante na composição do PIB brasileiro. Dados do IBGE confirmam que em 1973, auge da ditadura militar, a indústria de transformação era o motor da economia brasileira, sendo a responsável pelo crescimento econômico do país. Desde o final do período militar, a situação vem se invertendo, até chegar ao ponto atual no qual a atividade industrial no País foi responsável por apenas 11,3% do PIB, o nível mais baixo da série histórica, que se iniciou em 1947. No primeiro bimestre de 2019, o resultado foi de recuo de 0,2% da atividade industrial no Brasil. Os números reforçam uma tendência que vem sendo observada desde o final dos anos de 1980, com a indústria tendo cada vez menos participação no Produto Interno Bruto do País. Naquela época, o setor representava aproximadamente 30% do PIB, o que veio diminuindo com o tempo. O declínio da atividade industrial corresponde ao calendário político do Brasil, sendo que o debacle do setor de transformação começou já no governo Sarney e foi acelerado com Collor e FHC. Lula tentou reverter este cenário, porém foi tolhido pelo sistema de presidencialismo de coalizão, vigente no país, o que, segundo o economista, tornam disfuncionais os governos e a economia no Brasil. A política de fortalecimento da indústria, para o ex-diretor do BNDES, é fundamental para que o Brasil se transforme em “um país de médio para rico”. É também o setor que assegura os melhores empregos, o que fortalece o mercado interno, que pode ser um importante ativo econômico e estratégico do Brasil. Reforma tributária sim, mas em direção oposta à do Guedes De acordo com Maurício Borges, algumas medidas são essenciais e urgentes para a retomada de uma economia próspera e saudável, entre elas a reforma tributária, que não deve ser o modelo regressivo, como o que está sendo propalado na mídia, na qual os pobres e a classe média pagam mais do que os ricos e, na prática, assumem o ônus principal pelo financiamento do governo. A reforma tributária que Borges defende é progressiva, como os modelos praticados nos países mais civilizados do planeta, onde quem ganha mais paga mais. O economista pensa que é preciso tirar os grilões injustos da classe média e dos pobres, passando a responsabilizar os mais ricos pelos exorbitantes benefícios que eles possuem no país. Matérias recentes da mídia informam que o Brasil é o país onde a desigualdade mais cresceu, o que confirma a visão do economista. Um exemplo do que deve ser mudado, na opinião de Maurício Borges, é a Lei Constitucional número 21, a Lei Kandir. Ele a define como um poderoso mecanismo de desindustrialização. Esta lei privilegia os produtores estrangeiros, enquanto penaliza os industriais brasileiros. “Por exemplo, um industrial chinês compra a soja do Brasil e a beneficia no seu país, livre de impostos, enquanto um brasileiro é obrigado a pagar impostos escorchantes quando compra e industrializa o produto nacional”. Isso vale para todas as commodities naturais brasileiras, minério, água, princípios ativos de medicamentos e vai por aí afora. Outra questão que deve ser observada com atenção, de acordo com Borges, é a política atual de câmbio. Um caminho é observar as práticas dos países mais prósperos do Oriente, para orientar a política cambial de uma forma que apoie a indústria brasileira. O Brasil não tem uma política cambial específica para a indústria, como por exemplo o Japão e a Coreia do Sul. Previdência para o cidadão e o desenvolvimento Mais uma providência urgente é reorganizar a previdência, não no sentido do que pretende o Ministério da Economia, que visa privilegiar os bancos, setor da economia que mais ganha dinheiro, desde o início da redemocratização. Para frisar este ponto, Maurício explica que as empreiteiras cresceram mesmo foi durante o regime militar, com as grandes obras de infraestrutura. Ficaram tão grandes que puderam sair pelo mundo, disputando espaço com concorrentes internacionais. A Odebrecht, por exemplo, cresceu 400%, entre 1970 e 1975, sendo que um dos artifícios para isso foi a contratação de obras sem licitação. A empreiteira baiana foi contratada para a gigantesca obra de Itaipu, sem licitação. Mas, depois do período militar, as empreiteiras começaram a ser substituídas pelos bancos. “Quando a Andrade Gutiérrez e o Bradesco entraram como sócios no projeto de privatização da Oi, as duas empresas eram do mesmo tamanho, doze anos depois, o banco era dez vezes maior do que a construtora”. Os bancos já estão muito grandes. Não são só os brasileiros, pois os estrangeiros que chegam ao Brasil também ganham muito dinheiro. Há casos nos quais bancos estrangeiros ganham mais dinheiro no Brasil do que em qualquer outro lugar do mundo. Portanto, pensar a previdência para ser mais um sorvedouro de dinheiro para os bancos é um equívoco. A previdência tem que ser arquitetada para atender solidariamente aos cidadãos e isso é justo. Um trabalhador recolhe a vida inteira. Quando se aposenta ele recebe apenas uma pequena parte do que contribuiu para o bolo de todos, porque em geral falece muito antes de ter de volta o que contribuiu. Essa sobra, que vem de milhões de trabalhadores, não é pequena, soma aos bilhões e ajuda a pagar a previdência de outros trabalhadores. Esse sistema é justo e pode ser fortalecido pela previdência complementar – é um complemento, conforme o próprio nome diz. A grande questão é qual o destino dessa imensa quantidade de recursos que pode ser acumulada em um país do tamanho do Brasil? Mandar para os bancos, como pretende o Ministro da Fazenda é um equívoco e injusto. Injusto, porque milhões de brasileiros de classe média e pobres serão expropriados invisivelmente, sem que percebam, mas a maioria irá sofrer duras consequências. E é um equívoco porque esse modelo é estático, enriquece mais os poucos que já são muito ricos, não tem efeito sobre a economia real e contribui para transformar o Brasil em uma sub economia doente e paralisada. A solução é observar os países asiáticos, que utilizam esses recursos para potencializar e fortalecer as suas economias. Coalizões não funcionam para esquerda nem à direita Maurício Borges diz que nesta conversa deu apenas algumas poucas pinceladas em um assunto que estuda há anos, mas uma conclusão ele faz questão de defender: os governos de coalizão, que foram o resultado da Constituição de 1988, não funcionam nem para a esquerda ou à direita. Para ele, o país somente sai do labirinto em que se meteu, com uma reforma política, que mude a sua forma de governo, para uma constituinte exclusiva. Ele torce para que desse processo político surja um parlamentarismo, com os parlamentares eleitos através do voto distrital, em um arranjo que agregue o melhor dos modelos francês e alemão. O voto distrital, conforme Maurício Borges, ainda tem a vantagem de reduzir os custos de uma eleição. Hoje, um deputado federal, para ser eleito, tem que disputar os votos em todo um estado, ou pelo menos em grande parte dele. É caro, o que torna o sistema permeável a distorções provocadas pelo dinheiro. No voto distrital, o político vai disputar seus votos em um espaço geográfico muito menor, o que torna obviamente os custos do voto muito menores. Para Maurício Borges, fora da social democracia não há saída O economista quer discutir suas ideias com o campo democrático e popular, pois, segundo ele, “fora da social democracia não há saída”. Dando os retoques finais em um livro, ainda sem título, que pretende lançar em novembro próximo Maurício Borges, que foi diretor das áreas Financeira, de Administração, de Operações Indiretas e da Secretaria de Gestão da Carteira Agrícola do BNDES, fez uma prévia de suas ideias em uma roda de conversa em Belo Horizonte. Maurício, que reside no Rio de Janeiro desde que deixou o BNDES, passava pela capital mineira, a caminho de Diamantina, onde a Escola de Economia da UFMG realiza todos os anos um Seminário de Reflexões. Com doutorado na Unicamp, Maurício Borges foi o responsável por implantar uma arquitetura financeira nos anos 1990, quando Patrus Ananias, do PT, foi o prefeito de Belo Horizonte. Eduardo Azeredo havia deixados as contas da capital mineira em uma situação calamitosa. As ideias de Borges não somente recuperaram as finanças da prefeitura, como criaram as bases para o estabelecimento de um sistema de gestão que está em vigor até hoje e faz com que o caixa de Belo Horizonte fique o mais saudável, entre as grandes cidades do país. *Evilázio Gonzaga é jornalista, publicitário, especialista em marketing e comunicação digital
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.