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Por Eduardo Costa Pinto*
A Petrobras divulgou ontem (01), após o fechamento do mercado, o seu balanço do 2º trimestre de 2019. A empresa obteve um lucro líquido de 18,9 bilhões de reais, o maior resultado trimestral de sua história (crescimento de 368% em relação ao mesmo período do ano anterior), sendo que a geração de caixa, antes dos pagamentos de juros, amortizações, depreciação e impostos (EBITIDA), foi de R$ 53,9 bilhões.
Em virtude desse resultado, a empresa resolveu antecipar e aumentar a distribuição de remuneração aos acionistas (sob a forma de juros sobre o capital próprio) no montante de R$ 2,6 bilhões, aumento de 271% em relação ao trimestre do ano anterior (de R$ 0,05 por ação para R$ 0,20 por ação).
Como foi possível obter esses recordes históricos? Quais foram os elementos explicativos (produtivos, operacionais e financeiros) desse êxito? Será que as atuais estratégias empresariais da Petrobras (venda de ativos, redução dos investimentos e foco na exploração e produção de petróleo que provoca a desintegração vertical) estariam se materializando em uma história de sucesso?
Não há dúvida que esse resultado positivo foi fruto exclusivamente de receitas não recorrentes proporcionados pela venda de ativos da Petrobrás, sobretudo com a finalização da venda da sua subsidiária TAG (Transportadora Associada de Gás S.A). Com isso, o resultado com a alienação e baixa de ativos foi positivo em 21,2 bilhões de reais.
Quando são descontados os itens de receitas e despesas não recorrentes, o lucro líquido no 2º trimestre foi de R$ 5,2 bilhões, redução de 53% em relação ao trimestre do ano passado (R$ 10,9 bilhões). Dado que a redução do preço do petróleo Brent em dólares (7,4%) foi compensada pela desvalorização do real, os principais fatores explicativos desse decrescimento dos lucros foram: i) redução de 0,5% na produção de produção de petróleo no Brasil (de 2.063 mil barris/dia para 2.052 mil barris por dia); e ii) quedas de 2,8% e de 3,5%5, respectivamente, nas vendas de derivados para o mercado interno e na exportação de petróleo cru.
Cabe observar que a redução na produção de petróleo não foi ainda maior em virtude do crescimento de 17,7% nos campos do pré-sal, resultado da entrada em operação de novos sistemas de produção. O resultado negativo provocou a revisão para baixo nas metas de produção da empresa para o ano de 2019, de 2,8 milhões de barris/dia para 2,7 milhões de barris/dia.
De acordo com a Petrobras, a alteração nas expectativas seria fruto apenas das dificuldades operacionais enfrentadas na fase inicial de novas unidades de produção. No entanto, é preciso salientar que as continuas quedas na produção de petróleo, trimestres após trimestres, são decorrentes das políticas (i) de venda de campos de petróleo, (ii) de redução de investimentos para recuperação de óleo em campos maduros; e (iii) da retração dos investimentos em novos projetos desde o final de 2015. Seguindo essa tendência deletéria, os investimentos no 2º trimestre de 2019 registraram uma queda de 12% em relação ao ano anterior (de R$ 11,3 bilhões para R$ 10,1 bilhões).
No que tange ao segmento de E&P (exploração e produção), cabe destacar a redução em 8,6% nos custos, em dólares, de extração/lifting de petróleo nas áreas do pré-sal. Essa queda associada ao aumento de 3,8% no preço do petróleo (R$/bbl) de venda no Brasil (que é o “preço de venda” do E&P para o refino da Petrobras e, ao mesmo tempo, o preço do principal insumo do refino da área de abastecimento) proporcionaram o aumento dos lucros na área, mesmo com a queda na produção.
Outro destaque diz respeito a situação da área de abastecimento (refino, transporte e comercialização), onde ocorreu uma priora nos lucros em virtude (i) das reduções nas vendas de derivados e nas exportações de petróleo cru (-3%); e (ii) do aumento das importações de derivados, sobretudo gasolina.
Vale ressaltar que ocorreu aumento das importações de derivados da Petrobras, mesmo com a queda de suas vendas. Com isso, a produção das refinarias da Petrobras caiu 4,1% no trimestre em relação ao mesmo período do ano anterior, uma taxa maior do que observada nas vendas internas. Ou seja, a Petrobras optou, no 2º trimestre de 2019, por substituir a produção em suas refinarias pelo aumento de suas importações de derivados, sobretudo gasolina, mesmo tendo capacidade ociosa em suas refinarias cuja disponibilidade de unidades de conversão permitiriam refinar petróleo obtendo derivados com eficiência econômica
Não por acaso o FUT do parque de refino da Petrobras caiu 6,2% no trimestre em relação ao mesmo período do ano passado (de 81% para 76%). E antes que a Petrobras argumente que o atual nível de utilização seria fruto da relação entre capacidade produtiva (unidades de destilação) e unidades de conversão (coqueamento e craqueamento catalítico), podemos citar o exemplo da RNEST/PE, refinaria pernambucana com alto padrão tecnológico e que já chegou a operar em 2016 com fator de utilização em torno 85%, mas que no último trimestre operou com um FUT por volta de 70%. Sendo que essa refinaria, tanto com um FUT de 85% como de 70%, produziu 0,81 barril de diesel (derivado nobre) para cada barril de petróleo processado.
Pelo lado do endividamento, observou uma queda de 13,9% na dívida líquida, em reais, na comparação com o trimestre anterior (de R$ 95 bilhões para R$ 83 bilhões), que se refletiu na redução na relação dívida líquida/LTM EBITDA que também declinou (de 3,19 para 2,69). Esses resultados evidenciam uma política em curso de acelerada desalavancagem que tem como eixo estratégico a venda de ativos e a redução dos gastos com investimentos para adiantar o pagamento de dívidas junto aos seus credores.
A política de alongamento da dívida e redução do pagamentos dos juros é um instrumento importante da gestão da empresa, no entanto, se esse tipo de estratégia focar apenas no curto-prazismo, para gerar resultado imediatos para os acionistas e o mercado, acabará por reduzir ou limitar as condições produtivas da empresa no médio e longo prazo, como por exemplo, a dificuldade da empresa em conseguir cumprir as metas de produção de petróleo e gás.
Mesmo com atual gestão jogando no sentido contrário, as perspectivas na produção de petróleo para os próximos anos, principalmente por conta do pré-sal, devem garantir um futuro promissor à empresa, desde que não ocorreram novas turbulências no mercado internacional que reduzam o preço do barril do petróleo. A atual situação financeira da empresa, já permite um novo movimento de crescimento dos seus investimentos, mas a gestão da companhia caminha em outra direção com o objetivo exclusivo de gerar caixa no curto prazo para desalavancar.
Como diria um velho amigo, a Petrobras está “cortando as pernas para economizar sapatos”. Ou seja, a atual gestão da empresa busca a qualquer custo não frustrar as expectativas dos seus acionistas, mesmo que para isso seja necessário reduzir investimentos ou encolher a empresa, reduzindo a sua capacidade de geração de caixa futuro e sua integração vertical (do poço ao posto), instrumento central no ramo de petróleo. Esse tipo de estratégia é muito comum no mundo da gestão empresarial. O professor Vicente Ferreira da COPEAD/UFRJ ilustra muito bem, em seu artigo Zé: uma história de sucesso, esse tipo de comportamento dos administradores contemporâneos. O problema é que a Petrobras é muito grande e importante para o desenvolvimento nacional brasileiro (no passado e presente) para ser gerida por muitos “Zés”. E me desculpem os outros “Zés” que lutam por uma Petrobras pujante para o Brasil e, também, para os seus funcionários e acionistas.
*Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep)