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Por Theófilo Rodrigues*
Em 1875, a diversificada esquerda socialista alemã procurou criar um partido único, com um programa político também único, para disputar as eleições que se abriam no país com a expansão do sufrágio. A percepção era a de que, se separados eram fracos para combater o regime de Bismarck, unidos acumulariam mais forças na disputa eleitoral. Principais referências do movimento socialista alemão e internacional, Karl Marx e Friedrich Engels foram convidados para participar do processo de formulação do programa unificado. Apesar das críticas e das reservas apresentadas naquele documento que mais tarde passamos a conhecer como “A crítica ao programa de Gotha”, Marx proferiu naquela ocasião uma de suas célebres frases: “cada passo do movimento real é mais importante que uma dúzia de programas”. Marx não ignorava a importância de um programa político. O que Marx queria dizer era que, apesar de não o considerar o melhor possível, aquele documento representava a possibilidade real de unidade do movimento socialista na Alemanha. E isso era o mais importante.
O processo de construção das candidaturas para as eleições municipais de 2020 já está a todo vapor. A expansão da fragmentação do sistema partidário brasileiro dos últimos anos, casado com o fim das coligações proporcionais, são variáveis institucionais que contribuem para que mais partidos apresentem candidaturas majoritárias nas próximas eleições.
Os exemplos são vários: no Rio de Janeiro já foram apresentadas pré-candidaturas como as de Martha Rocha (PDT), Alessandro Molon (PSB), Marcelo Freixo (PSOL), Marcelo Crivella (PRB), Cabo Daciolo (PODEMOS), Marcelo Calero (Cidadania), Eduardo Paes (DEM), Clarissa Garotinho (PROS) e Rodrigo Amorim (PSL). Em Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), Nelson Marchezan Júnior (PSDB), Juliana Brizola (PDT), Beto Albuquerque (PSB), Fernanda Melchionna (PSOL), Thiago Duarte (DEM), Luciano Zucco (PSL), Maurício Dziedricki (PTB), Sofia Cavedon (PT), Felipe Camozzato (NOVO) e Dorotéo Fagundes (PRB). Em São Paulo, Celso Russomanno (PRB), Ana Estela Haddad (PT), Marcio França (PSB), Orlando Silva (PCdoB), Bruno Covas (PSDB), Eduardo Bolsonaro (PSL) são alguns dos prováveis nomes. E por aí vai...
É nesse cenário que o campo progressista – aquele formado por legendas como PSB, PDT, PSOL, PT, PCdoB, REDE e PV – enfrenta o seguinte dilema: por um lado, com a crise pela qual passou o PT, todos os demais partidos progressistas apostam em candidaturas próprias para reorganizar a liderança do campo; por outro lado, esses mesmos partidos sabem que, separados, podem nem chegar ao segundo turno, e que o movimento ideal seria o de construção de uma ampla aliança eleitoral.
Em fins de 2016, a sociedade civil deu um passo nessa direção ao fomentar o movimento Quero Prévias. Incomodados com a dispersão do campo progressista na eleição municipal daquele ano – no Rio de Janeiro, o campo teve três candidaturas com Jandira Feghali (PCdoB), Marcelo Freixo (PSOL) e Alessandro Molon (PSOL) – o Quero Prévias sugeriu que para a eleição de 2018 fosse realizado antes um processo de consulta popular para definir quem seria o candidato e qual seria o programa a ser apresentado na eleição.
Contudo, naquele momento era muito difícil que se realizasse um movimento tão complexo e inédito como esse em uma eleição nacional como foi a de 2018. Seria necessário organizar, sem ter nenhuma experiência para tanto, consultas simultâneas em mais de 5 mil municípios. O movimento, claro, fracassou.
Isso não significa dizer que prévias do campo progressista sejam impossíveis. Para ficarmos em um único exemplo, a França já a realiza com sucesso. O que falta ao movimento por prévias é começar em menor escala. E as eleições municipais oferecem uma oportunidade única para isso.
Será bem mais simples organizar o processo de prévias em algumas determinadas cidades, em janeiro de 2020, do que em uma eleição nacional como foi a de 2018. O próprio TRE pode disponibilizar urnas eletrônicas para isso, como, aliás, já faz em eleições para centros acadêmicos em universidades.
Se o processo em cidades é bem mais simples, qual seria então o obstáculo? O principal adversário desse movimento são os próprios partidos políticos. É intuitivo imaginar que candidatos fortes, que apareçam em primeiro lugar nas pesquisas, recusem esse processo. Ora, mas em 2020 teremos uma conjuntura única em que esse obstáculo parece não existir em importantes cidades. No Rio de Janeiro, o nome mais forte e que aparece em primeiro lugar nas pesquisas pelo campo progressista é o de Freixo. Em recente conversa que tive com o deputado, e que está disponível na internet, o candidato assumiu com todas as palavras que toparia participar de prévias na cidade. Em Porto Alegre, o nome que desponta em todas as pesquisas é o de Manuela D´Ávila. E Manuela já declarou apoio ao movimento Quero Prévias. Em São Paulo, a principal liderança do PT, Fernando Haddad, também já participou de atividades do Quero Prévias.
Em síntese, não há motivos para que os partidos políticos do chamado campo progressista não sentem em uma mesa imediatamente e concordem em participar de prévias em janeiro de 2020 para definir quem será o candidato unificado do campo. O que está em jogo não é algo pequeno; trata-se da reorganização das forças democráticas para enfrentar o ataque conservador que o país sofre hoje. Essa é certamente a vontade da sociedade civil. Esse é certamente o desejo das militâncias desses partidos. Afinal de contas, como dizia o velho barbudo, “cada passo do movimento real é mais importante que uma dúzia de programas”.
*Theófilo Rodrigues é cientista político. Pesquisador de Pós-Doutorado da UENF