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Por Waldeck Carneiro*
Em mais uma ofensiva ultraconservadora sobre a educação, sobressai a pauta da militarização das escolas públicas como panaceia para o aprimoramento da formação de nossas crianças, adolescentes e jovens, com base na disciplina militar e na inculcação de valores cívicos.
Não se trata simplesmente da ampliação de escolas públicas vinculadas a corporações militares, o que já seria questionável, tendo em vista que tais corporações, dependendo de sua natureza, deveriam aprofundar sua ação em áreas como defesa nacional (Forças Armadas), prevenção e enfrentamento à violência (Polícia Militar, com o debate sobre sua desmilitarização ainda insuficientemente realizado) ou defesa civil (Bombeiros, cuja estrutura militarizada já é um excesso). Trata-se, a rigor, de algo mais grave: a militarização das escolas públicas laicas e civis, vinculadas às secretarias de educação.
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Bolsonaro e Witzel, alinhados do ponto de vista ideológico, mas em processo de distanciamento por razões meramente eleitorais, propagam a militarização da educação básica e de suas escolas como a salvação da educação pública nacional. Nada mais equivocado e constrangedor! Em um país com pesquisa educacional e pós-graduação em educação consolidadas há cinquenta anos, aqueles líderes fascistas, com soberba e ignorância, desconhecem que não há absolutamente nada no conhecimento sobre gestão escolar, currículo e avaliação que fundamente tamanha bizarrice. Afinal, onde estão as evidências teóricas e empíricas de que a disciplina militar é o fator preponderante para a qualidade da escola?
A literatura especializada enfatiza outros fatores: a valorização dos profissionais da educação; o conforto, a adequação e a multiplicidade de ambientes pedagógicos; a interface do currículo com o contexto sociocultural de professores e estudantes; a modernização de metodologias de ensino; a diversificação, na forma, no conteúdo e no tempo, das estratégias de avaliação da aprendizagem; a participação da comunidade escolar e o diálogo entre escola e família, entre os aspectos mais frequentemente ressaltados.
Ademais, em tempos sombrios, que em parte estão de retorno, o Brasil já obrigou seus estudantes, do ensino fundamental à pós-graduação, aos estudos de civismo, que, na lógica autoritária da época, buscava reescrever a história ao sabor dos interesses dominantes e doutrinar estudantes para a submissão, em pleno regime em que os propagadores de tais valores “cívicos” conviviam hipocritamente com o terrorismo de Estado (prisões arbitrárias, torturas, assassinatos e outras formas de perseguição política).
Também não procede o argumento “militarista” pelo qual as escolas militares são modelos do bom desempenho acadêmico que se almeja para o conjunto das escolas públicas. No Rio de Janeiro, indicadores recentes do ENEM e do IDEB revelam que outras escolas públicas se destacam, como os Colégios de Aplicação da UERJ e da UFRJ, bem como várias unidades do Colégio Pedro II.
Ora, por que não tomá-las, então, como referências de organização do trabalho na escola, de liberdade de ensino, de gestão democrática, de valorização docente, de iniciação à ciência, de formação do pensamento crítico, fatores que historicamente têm justificado o sucesso de seus respectivos projetos pedagógicos?
Se corporações como a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, no Rio de Janeiro, decidirem, com base em suas respectivas dotações orçamentárias, intensificar suas ações em educação, ampliando a rede de escolas que lhes são vinculadas, em detrimento de suas funções precípuas, certamente suscitarão o questionamento ou, pelo menos, a curiosidade da população, tendo em vista as históricas reivindicações por aumento de seus efetivos para o cumprimento de suas missões prioritárias, o que decerto não abrange a atividade educacional.
Porém, o que seguramente não se pode tolerar é a transformação de escolas públicas, vinculadas às redes estaduais de ensino administradas por secretarias de educação, em quartéis militares. Não se pode aceitar que a principal instituição republicana, a escola pública, seja aprisionada pela lógica e pelos valores de uma única instituição, militar ou não.
Por definição, a escola pública, verdadeiramente republicana, deve ser gratuita, laica, civil e universal, de modo que possa dialogar com diferentes religiões, raças, classes, gêneros, manifestações culturais, valores, instituições, de forma respeitosa e democrática, socializando, sem preconceitos, os múltiplos saberes legados pela humanidade e ensinando a democracia e o respeito à diversidade, na expressão de Carlos Nelson Coutinho, como “valores universais”.
*Waldeck Carneiro é professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF e deputado estadual (PT-RJ).