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Por Eudes Leite*
As condições adversas que a intervenção realizada pelo Ministério da Educação (MEC) patrocinou na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) se manifestam em um cotidiano tenso e nada confortável. Indicar uma professora que não integra a Lista Tríplice aprovada pelo Conselho Universitário (COUNI) e com pouca experiência na UFGD, já que ingressou na instituição no ano de 2015, na condição de “pró-tempore” é praticar ingerência na gestão universitária.
A inobservância por parte do ministério dos procedimentos institucionais construídos e aprovados nas várias instâncias da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em conformidade com a legislação e responsáveis por balizar os procedimentos de escolha e definição dos nomes que devem integrar a Listra Tríplice a ser enviada ao MEC e a concordância por parte da atual “reitora” em assumir um posto para o qual os segmentos universitários não lhe conferiram confiança, impõem um “cotidiano em transe” na Universidade.
Não é demais frisar que a observância dos marcos legais do processo de escolha do reitor é um dado incontornável, como bem prova a notificação por parte da Justiça Federal ao MEC, a respeito da necessidade de respeitar a Lista Tríplice e nomear um dos professores-doutores que a integram. A expectativa é que a nomeação seja a do professor que recebeu a confiança dos docentes, estudantes e técnicos para gerir a instituição por quatro anos.
Ao mesmo tempo, a quantidade de tolices que a gestão interventora divulga para tentar justificar o injustificável é grande e diversificada. Aqui e neste momento aponto somente dois componentes de caráter histórico para tentar clarear a discussão: a UFGD foi criada, sim, durante o governo chefiado pelo então presidente Lula, tanto quanto foram fundadas outras diversas universidades no ano de 2005, marcando dois movimentos no âmbito da expansão do Ensino Superior Público no Brasil, os quais foram: a) criação e implantação de novas Instituições Federais de Ensino Superior (IFEs) e, b) recuperação dos quadros técnico-docentes – e físicos – das universidades existentes, até ali em fase de sucateamento.
Ainda no âmbito histórico, interessados podem pesquisar e saber sem dificuldades, que reivindicações de criação de uma universidade federal na região da Grande Dourados precede os governos Lula e, talvez, a existência do partido daquele ex-presidente! Há fontes históricas suficientes que atestam demandas em favor da criação de uma universidade pública na cidade de Dourados, expectativa que foi parcialmente atendida com a criação de unidade universitária pelo governo estadual.
Dias atrás, um grupo de “servidores da universidade” fez divulgar um texto, sob o título de Carta Aberta, na qual encontra-se a seguinte afirmação: “... cheques da universidade na mão de agiotas??”. Ora, essa informação é por demais séria por duas simples razões: informa da existência de agiotagem, o que salvo equivoco é crime e, ainda mais, diz sobre o uso de “cheques da universidade” em uma transação ilegal, fato totalmente incomum para um Órgão Público Federal que, também salvo erro, não pode(ria) ter e fazer uso de lâminas de cheques, vez que suas transações financeiras ocorrem(riam) por meios outros. Os autores da carta, conquanto não firmem o documento, se dizem “servidores docentes, técnicos e acadêmicos”, o que implica lembrar que servidores públicos, docentes e técnicos, de posse de provas de crimes cometidos contra um órgão como a universidade têm por obrigação legal formalizar denúncia, sob pena de sofrerem sanções por omissão ou acobertamento desse “crime”. Mas... aquele/as que escreveram a “Carta” são desprovidos de coragem porque não a assinaram, atestando assim o descompromisso com o bem público e, em contrapartida, muito apego ao sensacionalismo.
Mas o ponto central é que a UFGD sofre uma intervenção porque é uma instituição de sucesso e alta relevância acadêmica, social, econômica e política para a Grande Dourados. No atual governo medra uma política de constrangimento de diversos setores públicos e a universidade pública é um deles, principalmente porque no seu interior é produzido parte muito expressiva da ciência brasileira e dali também saem quadros críticos ao modelo neoliberal que pouco se interessa pela produção – de mercadorias e de pensamento – mas tem vínculos siameses com o capital financeiro, volátil, modelo esse tomado por crenças de que o dinheiro é mais importante que o produto.
A disputa pela UFGD é, sim, uma disputa política e ideológica, cujo pressuposto é o impacto da instituição em uma cidade como Dourados, e claro, para a Grande Dourados. A dimensão da UFGD não se manifesta apenas em números que revelam o quantitativo de estudantes, professores e técnicos ou no seu significado orçamentário para a região, mas igualmente pelo peso simbólico que toda e qualquer universidade pública de sucesso traz para a sociedade no presente e em tempos vindouros. A ideia de uma região articulada economicamente e socialmente, de forma exclusiva, pelas atividades do agronegócio é um recurso ideológico confortável para os setores que se beneficiam dessa imagem e que não desejam o desenvolvimento de atividades outras que venham apontar contradições no modelo agroexportador.
O golpe se dá, também, porque aqueles/as professoras/es, técnicos/as, e acadêmicos/as descompromissados com a universidade e com a Grande Dourados apostam na destruição do Ensino Superior Público na cidade, na medida em que se dispõem a integrar um corpo diretivo alheio às manifestações dos três segmentos da instituição.
O cotidiano da UFGD, ao contrário do que afirma a gestora, enfrenta muitos problemas, além daqueles ligados aos cortes de recursos. Há um mal-estar que toma conta da universidade e não é incomum encontrar servidores reclamando dessa situação. Em vários setores a rotina encontra dificuldade de ser realizada pela constante troca de servidores.
Estou convencido de que defender a UFGD, sua autonomia e os princípios democráticos que regem a instituição é defender Dourados e região. Enquanto o MEC resistir a respeitar a decisão que os três segmentos tomaram no processo de definição da Lista Tríplice, o ambiente sorumbático persistirá na nossa instituição.
*Eudes Leite é professor da UFGD, possui graduação em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1990), mestrado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1994) e doutorado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho