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Por Vagner Marques*
De todas as escolhas que eu fiz na vida, nenhuma foi tão importante, transformadora e revolucionária do que a escolha pela docência.
Há quinze anos me tornei professor, ainda garoto, muito perdido, sem o preparo devido. No início com tremores nas pernas e gagueira nas aulas, mas, sonhador, cheio de vontade, a mesma vontade de transformar vidas através da educação se mantém latente nestes quinze anos.
A educação me permite ir adiante e através da sala de aula eu me renovo a cada dia, aprendo - e muito -, revejo métodos e conceitos a cada troca de aula e a cada encontro com meus alunos.
Eles são a fonte de inspiração, o que me torna mais humano e sonhador, me me faz acreditar que é possível mudar.
Através da educação eu ultrapassei estigmas, venci barreiras e me permiti ir adiante, sempre com os alunos e os colegas ao meu lado. Tornei-me historiador, mestre e doutor e todo o conhecimento produzido, as pesquisas publicadas, as teorias elaboradas são validadas, discutidas e problematizadas em sala de aula. É na sala de aula que a oficina professoral ganha corpo e se renova, é na sala de aula que alimento o espírito e renovo as esperanças por dias melhores.
Recentemente fui questionado sobre o porquê sou professor. Sou professor porque acredito no poder transformador da educação, porque nós humanizamos através do contato, do afeto e do conflito próprio da relação humana.
Sou professor porque acredito que os livros derrubam armas e a poesia vence o ódio. Sou professor porque acredito que a sala de aula é o ambiente onde nascem sonhos e se renova a esperança. Sou professor porque é na sala de aula que o bem da humanidade se renova, a cada sorriso e travessura de meus alunos.
Sou professor porque em momentos de ódio, intolerância, estupidez e no atual momento, onde reina a incompetência, a sala de aula torna-se a luz e o afago.
Sou professor, amante, apaixonado e fascinado, mas, é necessário certo distanciamento para que no dia de hoje e todos os demais possamos refletir criticamente o cenário em que estamos imersos, pensar sobre o modelo de sociedade que queremos construir e o efetivo valor que a educação deve ocupar nesse contexto.
Não é digno o salário de miséria que nos é pago no final do mês, mesmo com a tripla jornada de trabalho para alcançar as condições de sobrevivência mensal, pagar as contas e talvez um cado para poesia. Não é digna a precariedade infraestrutural que toma das escolas de nosso país, enquanto outras esferas de poder desfrutam do ar condicionado, água, iluminação e espaços adequados.
Não é aceitável que a escola, enquanto ambiente promotor da tolerância, do respeito, da diversidade e da busca da justiça, se perca nos interesses daqueles que mesmo com a escolarização, tornaram-se analfabetos, estúpidos e também poderosos. Não podemos aceitar que as escolas sejam militarizadas e a pluralidade de ideias censurada em projetos como o escola sem partido.
Não podemos aceitar que esse tipo de gente decida nossos caminhos, nossas aulas, nossas escolas e nossos alunos.
Não é aceitável que Paulo Freire, o nosso PATRONO, seja questionado por quem nunca o leu, suas obras contestadas e seu pensamento “extirpado” por devotos da tortura e intolerância.
Não é aceitável que as nossas escolas continuem sem livros, internet, água encanada, lousas, impressoras, quadras poliesportivas, banheiros, bibliotecas, espaços de acessibilidade, ventilação, equipamentos de multimídia, acomodação aos nossos professores e funcionários e a devida excelência aos nossos alunos.
Não é aceitável porque vivemos na nona maior economia do planeta e o nosso problema não é recurso mas, sim, prioridade. Não tentem nos convencer com avanços invisíveis e justificações econômicas que não nos engana.
Não é aceitável que nossos professores sejam impedidos de almoçarem nas escolas, sob a justificativa de faltar refeição aos alunos. NÃO, não é aceitável porque não é humano.
Também não é aceitável que nossos professores trabalhem quinze horas por dia para um salário vergonhoso, não é aceitável porque não haverá tempo para o preparo das aulas, para o descanso, o convívio com a família, a leitura, o contato com a arte, com cinema, teatro e com os livros.
Não é aceitável que nossos alunos sejam privados de seus direitos com justificativas vis, não é aceitável que nossas escolas ainda tenham arquitetura de presídios, pois desse modo jamais alcançaremos a liberdade.
No dia de hoje eu aceito todas as felicitações, mas, desconfiado de enorme vazio de significado em muitas delas, especialmente daqueles que sequer têm noção de que são sem noção, ocupam espaços estruturalmente importantes na educação de nosso país e são responsáveis pela perpetuação da tragédia.
Embora no senso comum a educação seja pauta defendida por todos, no apagar das luzes, poderosos e perversos profanam o que temos de mais sagrado e sentem-se no direito de escolher nossos destinos.
As felicitações, embora importantes, não serão responsáveis por reduzir a superlotação nas salas de aula ou atenuar o excessivo cansaço de nossos professores que já no início da carreira sofrem com problemas na garganta, stress, ansiedade, dificuldades para dormir e aprenderam, muito cedo, a literatura da saúde mental.
As felicitações não serão capazes de afastar a estupidez das ameaças da mordaça que avançam em nosso país, do falso moralismo e intensa precarização que nos assola.
Por essas e tantas outras razões, neste dia afirmo que nós, professores, queremos muito mais que felicitações.
Queremos que pais, alunos, funcionários, professores e comunidade escolar juntem-se à luta pela educação pública, laica, gratuita e de qualidade, conforme as diretrizes do Artigo 205 da Constituição Federal.
Queremos que nossos alunos recebam durante o processo de escolarização as habilidades capazes para o convívio com as diferenças, o respeito à diversidade, a tolerância e a caminhem em defesa da justiça social. Também queremos que em nossas escolas não falte empatia, o amor e a busca incessante pela paz, pois, mais que conteúdos, somos responsáveis pela formação humana.
Queremos que nossos alunos tenham opções e que os muros das universidades sejam derrubados para que todos entrem e que ninguém fique de fora. Queremos que nossos meninos não perpetuem o machismo e a misoginia, responsáveis pela violência e extermínio de nossas mulheres. Queremos também que a heteronormatividade, responsável pela violência nos corpos e corações de nossos alunos e alunas LGBTS seja substituída pela equidade, tolerância e convívio harmonioso com a diversidade.
Queremos que as felicitações se traduzam em ações concretas e que nossos professores e professoras não sejam vítimas da depressão, ansiedade, ataques de pânico e tentativas de suicídio, lamentavelmente comuns em nosso cotidiano.
Queremos que nossos alunos e alunas possam optar pelo ingresso na universidade, ainda segregada aos pobres, negros e periféricos de nosso país, e que os constantes cortes no Ministério da Educação sejam anulados para que nenhum jovem seja impedido do financiamento estudantil, das bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado.
Nós professores precisamos mais que felicitações. Hoje é um dia para olharmos para frente, encararmos nossos obstáculos, desafios e limites e procurarmos juntos, sempre juntos, as alternativas para dias melhores.
Que a esperança não se perca em nossos corações e que a vontade de lutar não se acomode às burocracias cotidianas.
Que fiquemos com o que disse a paquistanesa Malala Yousafzai: "Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo".
Feliz dia dos Professores.
*Vagner Aparecido Marques é professor universitário, historiador, doutor em História Social e mestre em Ciências da Religião, ambos pela PUC-SP