LITERATURA

Murilo Mendes: as melhores obras do poeta brasileiro esquecido do surrealismo

Natural de Juiz de Fora, autor foi pioneiro na poesia surrealista no Brasil e rompeu limites da linguagem ao transitar entre a imaginação e a existência

Murilo Mendes.Créditos: Divulgação
Escrito en CULTURA el

DE JUIZ DE FORA | Quem passa por Juiz de Fora, pode ter percebido que algumas edificações, ruas e outras referências na cidade, além da lei principal de incentivo à cultura no município, recebem o nome do poeta mineiro Murilo Mendes. Natural daqui, o escritor teve sua infância marcada pelo desenvolvimento industrial da cidade e pelo movimento da literatura modernista brasileira. Foi o primeiro autor brasileiro a desenvolver uma escrita de base surrealista, criando versos que se afastavam da lógica linear e buscavam o inesperado, o simbólico, o existencial e o onírico, sem se afastar do lugar de onde veio e viveu.

"Juiz de Fora, dizem antecipou-se a São Paulo em certos pontos de industrialização, conta uma sina hidrelétrica, além de muitas fábricas de tecidos, de cerveja, de móveis, etc. fábricas de pesadelos [...] Juiz de Fora naquele tempo era um trecho de terra cerca de pianos por todos os lados" - Livro 'Idade do Serrote'.

Ao longo das décadas, a crítica brasileira priorizou outros nomes na poesia brasileira como Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, em grande parte por suas inserções mais claras nos paradigmas do modernismo e do pós-modernismo. A linguagem e a adesão a uma poesia de espírito místico e libertário, não se encaixava tão facilmente nos rótulos predominantes na época. E pouco se falava sobre seu pioneirismo no surrealismo literário, inspirado em surrealistas como Mário Cesariny, Joan Miró, René Char e André Breton.

Para quem deseja conhecer — ou revisitar — o universo literário do autor, reunimos algumas obras que revelam o que há de mais instigante e singular na linguagem poética de Murilo Mendes. Abaixo, a Fórum separou as algumas obras do autor e algumas das melhores citações contidas em seus livros:

Idade do Serrote

O livro A Idade do Serrote, escrito por Murilo Mendes, apresenta uma narrativa em que o autor rememora episódios de sua infância em Juiz de Fora, misturando fatos e invenções. A obra constrói uma autobiografia que não se prende à linearidade nem à objetividade documental, transitando entre memória e existência humana.

"[…] Sebastiana diz que tem uma vontade doida de ir a Minas Gerais, Mamãe diz mas Sebastiana você mora em Minas Gerais, ué gente, eu pensava que eu morasse em Juiz de Fora […]”

Poliedro

Em Poliedro, publicado em 1972, três anos antes de sua morte, o escritor se manifesta por meio de fragmentos que flertam com o aforismo e as artes visuais, renovando a prosa lírica em um mosaico de memória, poesia, ensaio e verbete. Dividido em quatro partes — “Microzoo”, “Microlições de coisas”, “A palavra circular” e “Texto délfico” —, o livro é um dos raros trabalhos em prosa de Murilo. Nele, a linguagem é reinventada e a arte se entrelaça com o pensamento, em um diálogo contínuo que impressionou Carlos Drummond de Andrade.

A Liberdade

[…]
“Nossa pequena fé acha-se condicionada por uma igualmente pequena imaginação; falta-nos a prodigiosa imaginação dos santos”

O que confere a ele um lugar peculiar na literatura brasileira é também o fato de reunir, em si, a religiosidade e a tradição, ao mesmo tempo em que expressa preocupações sociais e históricas.

As metamorfoses

O livro foi escrito entre 1938 e 1941, em meio às bárbaries da Segunda Guerra Mundial, e emerge como um apelo à poesia e à transcendência — valores que pareciam invisíveis em um mundo devastado pela desumanidade. A obra é dividida em duas partes, em que o próprio poeta se coloca em um dilema: como, em tempos de guerra, permanecer fiel ao sublime?

"Começo de Biografia

Eu sou o pássaro diurno e noturno,
O pássaro misto de carne e lenda,
Encarregado de levar o alimento da poesia e da música
Aos habitantes da estrada, do arranha-céu e da nuvem.
Eu sou o pássaro feito homem, que vive no meio de vós.
Eu vos forneço o alimento da catástrofe e o ritmo puro.
Trago comigo a semente de Deus… e a visão do dilúvio"

Mundo Enigma

Complementar ao livro As Metamorfoses, O livro "Mundo Enigma", de Murilo Mendes, explora a complexidade do mundo e da vida, abordando temas como a morte, a guerra, a consciência e a busca por significado em um universo incerto. Através de uma linguagem surrealista, o autor reflete sobre a realidade violenta do seu tempo, a Segunda Guerra Mundial, e a tentativa de encontrar uma saída para essa situação.

Perdi-me no labirinto
Para melhor me encontrar.
Os destroços do céu
Desabam sobre mim
tremor de pensamento.

Na estrofe mencionada, da poesia Poema deslocado, o autor explora a fuga da realidade por meio do universo mental e imaginativo. Outro elemento marcante no poema, típico da poética de Mendes, é o antagonismo, expressa na ideia de "perder-se para se encontrar". A obra é, completamente, dedicada a Maria da Saudade Cortesão, com quem se casou em 1947.

 

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