Pouca gente sabe, mas o documento mais antigo escrito em língua portuguesa tem quase 850 anos. Trata-se da Notícia de Fiadores, um registro jurídico curtinho, datado de 1175, que marca o início da transição do latim para o português como língua usada oficialmente em contratos e documentos do cotidiano.
Escrito em galego-português — idioma falado na época no que hoje corresponde ao norte de Portugal e à região da Galícia, na Espanha — o texto é considerado o primeiro vestígio da nossa língua tal como a conhecemos. A frase de abertura já chama atenção: “Noticia fecit Pelagio Romeu de fiadores.” Em outras palavras, algo como: “Pelágio Romeu fez notícia (ou registro) sobre fiadores.”
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Na prática, era um contrato de fiança, um tipo de acordo comum no século XII em que uma pessoa se comprometia a pagar a dívida de outra.
Mais do que o conteúdo, o que torna esse manuscrito tão importante é o idioma em que foi escrito. Em vez do latim, que ainda era a língua oficial dos documentos, o autor recorreu à língua falada pelo povo — sinal de que o português começava, aos poucos, a conquistar seu espaço também na escrita.
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Mesmo sendo um texto curto, a Notícia de Fiadores oferece um retrato do cotidiano da época e mostra como o idioma popular começava a ocupar funções antes restritas aos eruditos. O documento está hoje sob a guarda do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, e é considerado uma relíquia do nascimento da língua portuguesa.
Confia abaixo a transcrição do documento abaixo:
Transcrição:
Linha 1 ? Noticia fecit pelagio romeu de fiadores Stephano pelaiz .xxi. solidos lecton .xxi. soldos pelai garcia .xxi. soldos. Güdisaluo Menendice. xxi soldos
Linha 2 ? Egeas anriquici xxxta soldos. petro cõlaco .x. soldos. Güdisaluo anriquici .xxxxta. soldos Egeas Monííci .xxti. soldos [i l rasura] lhoane suarici .xxx.ta soldos
Linha 3 ? Menendo garcia .xxti. soldos. petro suarici .xxti. soldos Era Ma. CCaa xiitia Istos fiadores atan .v. annos que se partia de isto male que li avem
Texto na grafia atual:
"Pelágio Romeu lista aqui seus fiadores: para Pedro Colaço, devo dez contos; para Estevão Pais, Leitão, Paio Garcia, Gonçalo Mendes, Egas Moniz, Mendo Garcia e Pedro Soares, deve vinte contos; para João Soares, trinta contos, e para Gonçalo Henriques, quarenta contos. Agora estamos em 1175, e só daqui a cinco anos terei que pagar esses patrícios."