Ícone do teatro e do cinema nacional, a atriz Fernanda Montenegro se somou à mobilização pela regulamentação do streaming no Brasil. Em uma publicação nas redes sociais, ela defendeu uma política audiovisual independente e alertou: “Existirmos culturalmente, artisticamente”. O posicionamento veio acompanhado das hashtags #RegulaçãoJá e #CinemaBrasileiro.
"É fundamental a construção de uma política industrial cinematográfica nossa. Com autonomia. Brasileira. Temos que nos proteger. Existimos culturalmente, artisticamente. Nossa cultura tem uma assinatura própria. Nossa presença áudio visual e cinematográfica atarvessa nossas fronteiras com sucesso, com premiações. Com reconhecimento. Temos que administrar a nossa vida. É preciso fazer aqui o que outras grandes nações já realizaram como forma de estimular sua indústria: a regulação do streaming", disse a atriz.
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Como mostrou uma matéria da Fórum em abril, as plataformas de streaming moldaram os novos hábitos de consumo audiovisual e no país, a popularização segue ocorrendo: quase 8 em cada 10 lares urbanos já assinam pelo menos uma plataforma audiovisual de big tech estrangeira, tornando hoje o país o segundo maior consumidor mundial de vídeo sob demanda (VoD), de acordo com dados da Finder.
Porém, enquanto dominam o mercado e lucram bilhões, gigantes do audiovisual na internet, como Netflix, Amazon, Max e Disney+ seguem isentas de obrigações fiscais mais robustas no país. Segundo a Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API) e a Associação Paulista de Cineastas (APACI), existem alguns pontos inegociáveis para a regulamentação. A alíquota de 12% sobre as big techs é o mínimo.
Apenas 10,9% dos catálogos das plataformas de streaming no Brasil são compostos por produções nacionais, segundo a Agência Nacional de Cinema (Ancine). Obras independentes enfrentam barreiras para competir com conteúdos estrangeiros, que dominam o mercado. Enquanto emissoras e salas de cinema contribuem com a Condecine, as plataformas digitais permanecem isentas, o que representa uma perda anual de R$ 3,7 bilhões para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
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Projetos de lei em discussão
Três senadores estão no centro de um debate importante sobre o futuro do audiovisual no Brasil. O projeto, que começou com Nelsinho Trad (PSD-MS), recebeu contribuições de Eduardo Gomes (PL-TO) e foi reformulado por Jandira Feghali (PCdoB-RJ). O objetivo é fazer com que plataformas de streaming também se envolvam no financiamento audiovisual.
A proposta estabelece que as plataformas de streaming paguem até 3% de sua receita bruta anual à Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). Esse percentual poderá ser reduzido caso as empresas ofereçam pelo menos 50% de conteúdo nacional em seus catálogos. Independentemente disso, há exigências mínimas para todos os serviços. Plataformas com até 2 mil títulos precisarão disponibilizar no mínimo 100 produções brasileiras. Já aquelas com até 7 mil obras deverão incluir pelo menos 300 títulos nacionais.
A regulamentação das plataformas digitais começou a ser discutida a partir da Lei 12.485/2011, conhecida como Lei do SeAC. Ela obrigou os canais de TV por assinatura a contribuírem com o FSA, mas deixou os serviços de streaming de fora.
Desde então, duas propostas legislativas também tentam preencher essa lacuna:
- PL 8.889/2017, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e relatoria de André Figueiredo (PDT-CE), sugere estender a Condecine às plataformas digitais, com alíquota de até 6%, podendo ser reduzida pela metade caso metade do catálogo seja composto por produções brasileiras.
- PL 1.994/2023, do senador Humberto Costa (PT-PE), determina que 30% dos catálogos das plataformas sejam compostos por conteúdo nacional. A proposta também amplia a fiscalização para além da Ancine, envolvendo o Poder Executivo.
O destaque alcançado pelo filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2025 mostrou tanto a força econômica quanto o valor cultural do cinema brasileiro. A repercussão da obra impulsionou pequenos comércios — que exibiram a cerimônia da premiação — e levou público às salas de cinema em sessões especiais, como mostrado em várias reportagens na Fórum. Isto é, a cultura tem grande potencial de movimentar a economia.
De acordo com dados inéditos da Ancine, "Ainda Estou Aqui" alcançou um público de mais de 5 milhões de espectadores e arrecadou R$ 104,7 milhões em renda, se consolidando como a terceira maior bilheteria nacional desde 2018, atrás apenas de “Minha Mãe é uma Peça 3” (2018) e “Nada a Perder” (2019).
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