CULTURA

“Cobra Norato” estreia no Festival de Ópera do Theatro da Paz, em Belém

Em entrevista exclusiva à Fórum, a diretora artística Carla Camurati fala sobre a obra e sua conexão com a Amazônia

Ensaio da ópera "Cobra Norato - Terras do Sem Fim", no Theatro da Paz.Créditos: Jeferson Höenisch
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Carla Camurati está em Belém (PA), desde o início do mês, realizando ensaios diários da ópera “Cobra Norato – Terras do Sem Fim”, da qual é diretora artística e que terá estreia mundial no próximo dia 26, na abertura do 24º Festival de Ópera do Theatro da Paz. No total, serão quatro apresentações. A ópera é inspirada no poema épico homônimo do escritor gaúcho Raul Bopp, lançado em 1931, um marco do modernismo brasileiro. 

Na obra, inspirada nas lendas da Amazônia, o herói deseja se casar com a filha da Rainha Luzia e, para isso, mata a Cobra Norato e veste sua pele para percorrer melhor os caminhos da floresta. 

O tema amazônico levou Carla a escolher Belém para a estreia da ópera, que tem libreto de Bernardo Vilhena, idealizador do projeto. “Eu acho que Belém respira essa ópera num certo sentido. A cidade tem uma essência amazônica de uma intensidade muito grande. E eu sempre gostei muito de Belém, sempre fui muito feliz aqui. Na minha intuição, a gente tinha que vir para Belém”, afirmou a atriz, em entrevista à Fórum, no palco do Theatro da Paz. 

Carla Camurati e Silvio Viegas durante ensaio no Theatro da Paz (Foto: Jeferson Höenisch)

Além disso, Raul Bopp morou em Belém entre 1920 e 1921, cursando o quarto ano da Faculdade de Direito. Foram as suas viagens ao interior da Amazônia, no mesmo período, que inspiraram a obra, toda em versos livres, com elementos do folclore e do linguajar regional.

A diretora também vê uma relação “muito grande” entre a ópera e a COP 30, que será realizada, em novembro, em Belém. “A obra tem esse universo mágico do realismo fantástico, mas o nosso prólogo tem a violência da destruição da Amazônia. Mostra o qsilue nos acontece hoje nessa área, na nossa Amazônia, que é importante que a gente se dê conta que isso está acontecendo de fato. Que a gente faça uma âncora para dizer ‘nós todos temos que nos importar com isso’. Isso não é conversinha, isso é fato.  Veja o que está acontecendo no mundo.”

Ópera contemporânea e inédita

Para Carla, que já dirigiu diversas óperas internacionalmente conhecidas, como “Madame Butterfly”, “Carmen” e “O Barbeiro de Sevilha, “Cobra Norato” é uma experiência nova. 

“É a primeira vez que eu faço uma ópera contemporânea e inédita. Então toda essa construção do universo operístico está acontecendo neste momento. Todas as óperas que eu fiz eram óperas que já tinham história, você podia escolher com que cantor ou cantora você queria ouvir. Essa é a primeira vez. Então há um caminho de construção constante, desde o primeiro momento, que é muito importante. E que está me deixando muito feliz, porque eu nunca tinha vivido essa experiência. A gente tem uma virgindade linda que faz com que esse grupo de pessoas junto, construa esse universo, essa ópera, neste momento”, disse. 

A ópera tem música original de André Abujamra e direção musical e regência do maestro Silvio Viegas. Em Belém para os ensaios diários até a estreia, Viegas falou à Fórum sobre o desafio de incorporar a sonoridade da floresta na música.  “Quando eu cheguei a Belém e comecei os ensaios, eu vi que o desafio era maior do que eu imaginava. A gente sabia a linguagem que tinha que representar essa história. Mas, quando a gente chega aqui, percebe que a linguagem ainda está pedindo mais coisas. Apesar de ser apaixonado por essa terra, eu não sou daqui e tenho pouco conhecimento do folclore, das músicas e dos movimentos populares. A sorte é que a orquestra do teatro está aberta a me ajudar a incorporar esses sons”, relatou.

Silvio Viegas e Carla Camurati no Theatro da Paz, onde estão realizando ensaios diários da ópera "Cobra Norato - Terras do Sem Fim" (Foto: Augusto Pinheiro)

O uso original de instrumentos tradicionais de uma orquestra sinfônica nem sempre consegue representar o que Viegas busca. “Eu falava ‘está parecendo um rock, mas a gente está na floresta’. A gente agora vai querer mudar, principalmente a percussão, colocar tambor de carimbó. Vamos usar sonoridades que sejam daqui. Os sons da natureza também. Estamos indo atrás de som de água, de pássaros, de folhagem.  Quero fazer do fosso da orquestra uma grande floresta.”

O maestro paraense Miguel Campos Neto atua como diretor musical adjunto da montagem. No acompanhamento da ópera, a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz e um coro de 30 vozes, regido pelo maestro Vanildo Monteiro. 

Theatro da Paz

Para Carla, o Theatro da Paz evoca memórias da sua carreira. “Eu amo esse teatro. Logo no princípio da minha carreira, quando eu estava só trabalhando como atriz, eu vim fazer um curta-metragem sobre Carlos Gomes [compositor campineiro que morou e morreu em Belém] aqui neste teatro. Então foi a primeira vez que eu vim para Belém. E foi lindo, foi quando eu conheci o Theatro da Paz e fiquei tão encantada. Esses grandes teatros, os municipais do Rio e de São Paulo, o da Paz, são verdadeiros templos da cultura, da arte, da emoção. Essas paredes viram muitas lágrimas, muitos risos, muito prazer. Então eu estou numa alegria só de estar aqui.”

O diretor do teatro, o jornalista e escritor Edyr Augusto, fala do orgulho com a estreia da ópera. “Eu vi alguns dos ensaios, é um espetáculo maravilhoso. Uma música muito fácil, com letras em português. Dos oito solistas, cinco são paraenses, temos nossos profissionais, nossos técnicos envolvidos, músicos daqui”, disse.  

A secretária de Cultura do Pará, Ursula Vidal, ressaltou que “o festival se consolida com uma política pública do governo do Estado de formação de plateia, de valorização dos nossos profissionais ligados à cultura e à arte”.  

A ópera “Cobra Norato – Terras do Sem Fim” tem produção de Bianca De Felippes, diretora da Gávea Filmes, figurinos de Ronaldo Fraga, direção de arte de Batman Zavareze e desenho de luz de Wagner Pinto. 

O Festival de Ópera se estende até novembro. No dia 18 de junho, será realizado um concerto lírico com a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz. Já em novembro, em pleno período da COP 30, é a vez da ópera “I-Juca Pirama”, baseada no poema do escritor maranhense Gonçalves Dias, com apresentações nos dia 10, 11 e 12.

Bopp em Belém

No período em que morou em Belém, o escritor Raul Bopp “recolheu um manancial de ‘causos’, histórias, relatos e lendas de suas viagens pelo interior da região amazônica”, como relata Fabíola Guimarães Pedras Mourthé em sua tese de doutorado “O percurso intelectual de Raul Bopp: viagem, escrita e intervenção social”, pela PUC-MG.

Ela conta que, na capital paraense, “Bopp reunia-se, à noite, com grupos habituais, no terraço do Grande Hotel, debaixo das mangueiras, para falar de literatura, do inventário folclórico das coisas amazônicas, da necessidade de um retorno aos valores nativos”.

Já o próprio Bopp, no livro “Vida e morte da Antropofagia”, descreve a capital paraense como uma “cidade agradável, com sua casaria debulhada pelas beiras do grande rio. As velas coloridas do Ver-o- Peso, num cotovelo do rio, desenham paisagens espetaculares”.

No mesmo livro, relata: “A estada de pouco mais de um ano na Amazônia deixou em mim assinaladas influências. Cenários imensos, que se estendiam com a presença do rio por toda parte, refletiam-se com estranha fascinação no espírito da gente. A floresta era uma esfinge indecifrada. Agitavam-se enigmas nas vozes anônimas do mato. Inconscientemente, fui sentindo uma nova maneira de apreciar as coisas, fui pouco a pouco aprendendo a sentir o Brasil, com o seu sentido mágico desdobrado na sua totalidade”.

Serviço:

Cobra Norato – Terras do Sem Fim – 24º Festival de Ópera do Theatro da Paz

Dias: 26, 27, 28 e 29 de abril de 2025, às 20h

Ingressos: disponíveis na bilheteria do Theatro da Paz e pelo site www.ticketfacil.com.br, além do aplicativo Ticket Fácil. Os valores variam de R$ 25 a R$ 150.

Classificação indicativa: 12 anos

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