Foi de um livro que nasceu a obra cinematográfica “Ainda Estou Aqui”. Alguém que resolveu contar e escrever sobre uma história que poderia ter ficado no esquecimento, como de como fica uma família depois que um pai é levado pelos aparatos da ditadura militar, as cicatrizes de uma dor sem cura e que não se prescreve. Uma história pessoal, mas que carrega o sentimento coletivo de toda uma sociedade.
É com esse mesmo sentimento que Marcelo Rubens Paiva dá sequência ao livro publicado em 2015 para retratar mais um momento histórico e de abalo democrático que o país viveu nos últimos cinco anos. “O Novo Agora”, que será publicado em 22 de abril, entrelaça memórias de infância de Marcelo com Eunice e Rubens Paiva, reflexões sobre paternidade e os desafios políticos do Brasil com a ascensão da extrema direita, uma pandemia e o sufocamento do setor cultural.
O escritor detalhou em Feliz Ano Velho o acidente que o deixou tetraplégico, e em Ainda Estou Aqui resgatou a luta de sua mãe, Eunice Paiva, pela verdade, memória e justiça por seu pai, Rubens Paiva. Agora, o terceiro volume começa no verão de 2014, quando Marcelo e sua esposa se tornam pais pela primeira vez, e a vida do casal sofre uma transformação radical.
A narrativa alterna entre o passado e o presente, com o autor relembrando registros deixados pelos pais, Rubens e Eunice, enquanto busca referências para educar seus próprios filhos. Com a ascensão do governo Bolsonaro, ele passa a ser boicotado, e seus projetos profissionais a serem cancelados, em um período difícil para artistas em todo o país, em que a Cultura começava a sofrer um dos maiores desmontes da história.
Com a chegada da pandemia em 2020, Marcelo estava em isolamento social com duas crianças pequenas e uma família enferntando diferentes crises. Diante das incertezas do presente, Marcelo retornou ao passado em busca de inspiração nas maneiras com que seus pais enfrentaram os desafios em suas próprias épocas.
"Eu tendo filho, o casal se separa, eu vivo com ele sozinho na pandemia. Então tem todo o isolamento, o bolsonarismo, todo boicote à literatura, música e isso dava um baita livro", comentou o escritor.
'Ainda Estou Aqui' rompeu bolha política e cultural no Brasil
Quando o filme Ainda Estou Aqui foi anunciado como vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, não foi apenas um reconhecimento do Brasil no cenário mundial, mas também o que parecia ser uma autoderrota da base bolsonarista que sempre se autodenominou "patriota" no país. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) afirma que o filme conseguiu desmantelar a polarização cultural e política nas redes sociais que se arrastava desde o governo Bolsonaro, que foi um grande entusiasta da ditadura militar.
A análise apontou que a maioria das publicações foi em celebração à arte, à cultura e ao cinema nacional, com brasileiros reafirmando a própria identidade para o mundo, além de inúmeras páginas progressistas seguindo esse movimento.
Entre as publicações mais comentadas estavam as de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente; Erika Hilton (PSOL-SP), deputada federal; e Dilma Rousseff (PT), ex-presidente, que assim como Rubens Paiva, ex-deputado e personagem do filme, foi presa e torturada pela ditadura militar.
A pesquisa revelou que os perfis alinhados à direita tiveram um engajamento tímido, com poucas interações fingindo parabenizar e responsabilizar o filme pela vitória, enquanto alguns tentavam atacar o filme e rotular de "comunista".
Segundo o sociólogo Marco Aurélio Ruediger, diretor da Escola de Comunicação da FGV e um dos dois responsáveis pelo estudo, o silêncio da extrema direita surpreende. "Eles não conseguirão construir nenhum argumento crítico em contrário. Seriam antipatrióticos, hipócritas e infiéis", diz.
"Isso dá ao Brasil uma chance de se unir e se reinventar, quebrando a polarização com base em valores universais e um repertório cultural mais amplo"
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