As formas de resistência contra o racismo e o regime de segregação racial foram muitas nos Estados Unidos entre o final do século XIX e a segunda metade do século XX.
Uma delas, frequentemente confundida como simples atividade feminina e doméstica, foi uma forma de expressão de culturas marginalizadas e histórias negras que, de outra forma, teriam sido esquecidas: "quilting", a técnica de costura e artesanato em que várias camadas de tecido são sobrepostas ou costuradas juntas para formar uma espécie de mosaico.
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"Em certa época, a costura era usada para preservar e expressar tradições africanas", diz Carolyn Mazloomi, curadora de uma exibição de peças artesanais produzidas por artistas negras contemporâneas no Smithsonian American Art Museum, em Washington.
Embora muitas pessoas pensem que os padrões nas peças costuradas são aleatórios, “elas não são nada aleatórias”, nota ela.
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Em comunidades afro-americanas, a costura de peças artesanais foi uma forma de subsistência logo após o fim dos processos de escravidão ao sul dos EUA, e os coletivos de costura eram capazes de preservar tradições herdadas de África e construir uma rede de apoio entre as mulheres.
Um dos grupos mais famosos, de Gee's Band, nasceu no estado do Alabama, entre uma comunidade negra formada por cerca de 200 pessoas e "escondida" nas curvas do Rio Alabama.
"Costurar colchas se tornou um modo de contar histórias dentro da comunidade negra", diz a revista Smithsonian, misturando diversas técnicas para formar padrões que, longe de serem aleatórios, são ricos em cores e em cultura.
Roman Stripes Variation, uma colcha costurada por Willie "Ma Willie" Abrams, parte do grupo Freedom Quilting Bee, é uma das demonstrações de variedade técnica e influências das costuras.
Willie "Ma Willie" Abrams. Créditos: The Metropolitan Museum of Art
"Ma" Willie costurava, na varanda de casa, gorros e colchas artesanais para o coletivo de que fazia parte, e suas peças eram vendidas por US$ 2.
Hoje, o legado das costureiras continua no Alabama.
"Uma trilha de 14 milhas de outdoors de madeira revela o legado da cidade [Gee's Band] e suas matriarcas", informa o National Museum.
São "faixas multicoloridas, que imitam os designs abstratos de Arlonzia Pettway [artista americana parte do Gee's Bend], notavelmente parecidas com o tecido kente ganês".
O kente, um tecido tradicional de Gana, é feito de tiras de algodão ou seda tecidas entre si, e carrega padrões geométricos de coloração vibrante.
O "kente", que vem da palavra "kenten" — que significa "cesta" —, é inspirado em teias de aranha, e seu uso remonta ao legado de reis e rainhas africanos.
Após 1920, quando comerciantes brancos norte-americanos expulsaram a pequena comunidade de negros que vivam nas terras isoladas de Gee's Bend para retomar o crédito que lhes sobrou depois do colapso das plantações de algodão no sul do país, as mulheres da comunidade passaram a tecer e costurar, vendendo suas peças a preços parcos, para sustentar suas famílias e fazendas.
Algumas contam histórias de vida, como o rapto de mulheres trazidas aos Estados Unidos à força e mantidas ali para trabalhar em fazendas de ex-escravos.
Outras foram usadas para financiar o movimento pelas liberdades e os direitos civis das mulheres no sul, e foram vendidas em leilões de Nova York.
A história continua, agora, em exposições de arte em Washington e Nova York, e na valorização de uma cultura com raízes em lutas e elementos sociais profundos.