Um dos escritores, jornalistas investigativos e roteiristas de novelas cubano mais aclamados do mundo, Leonardo Padura está no Brasil para divulgar seu novo romance, Pessoas Decentes, além de celebrar os 15 anos de O Homem que Amava os Cachorros, obra que aborda a vida do líder soviético Leon Trótski e de seu assassino, Ramón Mercader, exilado em Cuba. Padura marcou presença na Bienal do Livro em São Paulo e no Clube de Leitura CCBB 2024.
Extremismo crescente na política
Um esquerdista crítico, o autor aborda em seu livro a queda das utopias igualitárias do socialismo no século XX, mas não deixa de destacar que a extrema direita, sob a bandeira do neoliberalismo, é uma das maiores responsáveis pelos males que assolam o mundo nos últimos anos. “A nível global, sim, há uma ascensão da direita, uma direita cada vez mais radical, em muitos casos xenófoba, racista e fundamentalista e isso cria um perigo para todas as sociedades, todas elas. Pode ser que, por exemplo, nos Estados Unidos Donald Trump seja presidente novamente, e não se saiba mais se ele é de direita, extrema direita ou o que seja Trump afinal, mas com uma forte inclinação para posições bastante extremas no espectro político, outra extrema direita no espectro político.”
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Leonardo Padura nunca deixou Cuba, onde nasceu em 1955, e continua morando na mesma casa em Havana. Diferente de muitos de seus contemporâneos que saíram do país, ele decidiu permanecer e não tem planos de mudar essa escolha. Ao longo de sua vida, testemunhou de perto as transformações trazidas pela Revolução Cubana, desde a queda da ditadura de Batista até os desafios que o país enfrenta atualmente. A experiência única de viver esses momentos históricos alimenta suas reflexões sobre o passado e o futuro de Cuba.
Cuba e a identidade
Um país refém de embargos econômicos dos Estados Unidos por mais de seis décadas. Cuba em novembro de 2023, teve na Assembleia-Geral da ONU, mais uma vez aprovada a resolução exigindo o fim do embargo dos Estados Unidos. Apesar da aprovação, essa conquista é, na prática, apenas simbólica. Desde 1992, Cuba tem conseguido apoio nas votações da ONU, mas o impacto real sobre a situação no país permanece reduzido.
Por isso, “a sociedade cubana tem um problema na sua representação. 65 anos atrás. O mesmo sistema sócio-político-econômico. E tantas vezes parece que as coisas não mudam, mas é claro que a sociedade mudou muito”, diz Padura. “A partir da década de 90, a União Soviética desapareceu, ocorreu uma grande crise em todos os sentidos no país, uma crise económica e social, uma crise de confiança, de perdas, de certezas, e que agora se reproduziu mais recentemente, mas houve mudanças importantes, como a possibilidade de os cubanos viajarem sem precisar pedir permissão às autoridades.”
“Hoje, Cuba vive a maior crise migratória da sua história. Em dois anos, três anos, mais de um milhão de pessoas deixaram Cuba e cito números oficiais. Não estou dizendo algo que me ocorreu, porque é a maneira que as pessoas encontraram uma solução para todos esses problemas que Cuba ficou: falta de comida, falta de remédios, com uma inflação tremenda e com falta de expectativas. As pessoas precisam ter esperança. E muitas vezes essas esperanças para Cuba desvaneceram-se”, revela o jornalista.
Segundo ele, o que está enraizado na realidade cubana é também universal, e ainda não há uma ideia única que possa abarcar e tornar a sociedade mais justa em termos econômicos, o que não significa que é preciso se render ao sistema. “O século XX terminou resolvendo uma luta entre três grandes propostas sociais, o comunismo, o fascismo e o neoliberalismo, e o neoliberalismo teria sido supostamente o vencedor, a Guerra Fria acabou, alguns teóricos disseram que era o fim da história, porque a História não iria mudar a partir de agora. Não é um neoliberalismo que resolveu os problemas sociais. Acredito que os problemas sociais e econômicos do mundo aumentaram nos últimos anos.”
“Existem soluções e procuras de soluções em diferentes países, em diferentes circunstâncias, mas não existe um pensamento único ou uma ideia única que possa permitir às sociedades ter uma espécie de estratagema para se orientarem para esta necessária, muito necessária transformação da sociedade. Situação atual onde as desigualdades são cada vez maiores, em que os perigos da má gestão da tecnologia são cada vez maiores, onde vivemos guerras que pareciam que já não iriam acontecer e voltam a acontecer, ou seja, estamos num mundo bastante complicado e com uma perspectiva futura mais ou menos intermédia, bastante desanimadora.”
Intersecções com a cultura brasileira
A conexão entre Cuba e Brasil vai além das fronteiras geográficas e políticas. Ela é profundamente enraizada em elementos culturais que foram moldados ao longo dos séculos por processos históricos semelhantes, como a escravidão, a herança africana e os sistemas religiosos, comenta ainda Padura. Motivo pelo qual ele também consome tudo sobre a cultura brasileira.
“Isso criou um sistema religioso muito semelhante, um sistema religioso de origem iorubá. O que é muito semelhante. Isso inclui a música. Nossa música tem comunicação, embora sejam dois sistemas muito definidos. Tenho essa relação cultural com o Brasil, da qual o cinema, a literatura, as artes políticas, as novelas, as telenovelas claro são tão importantes, pois têm a ver com a minha realidade. E comigo especificamente. Em 1984, fui o único jornalista de Cuba que ousou escrever uma crítica à novela da escrava Isaura", revelou.
Conhecido pela tetralogia policial “Estações Havana”, protagonizada pelo detetive Mario Conde, Padura enfatiza que a literatura, como instrumento de resistência, também exige tempo e dedicação. Não deve ser apressada nem moldada exclusivamente pelas demandas do mercado. O mercado é fundamental para a distribuição, mas não pode ditar a criação artística. Na obra que chega ao Brasil, "O homem que amava os cachorros" tece uma intrigante narrativa que entrelaça os destinos da Revolução Espanhola, Russa e Cubana, unidos pelo enigmático assassinato de Leon Trotsky. Padura desvenda as complexidades e contradições das utopias do século XX, oferecendo uma leitura que instiga a reflexão sobre os altos custos das revoluções.
Traduzida para diversos países como Espanha, Cuba, Argentina, Portugal, França, Inglaterra e Alemanha, a obra é ao mesmo tempo ficção e realidade. A história é narrada em 2004 pelo personagem Iván, um veterinário em Havana com aspirações de se tornar escritor. Após um encontro enigmático com um homem que passeava com seus cães, Iván se vê imerso nos últimos anos de vida do revolucionário russo Leon Trotski, seu assassinato e na história de seu algoz, o catalão Ramón Mercader, que foi voluntário das Brigadas Internacionais na Guerra Civil Espanhola e incumbido de executar Trotski.
O misterioso homem, a quem Iván chama de "o homem que amava os cachorros", confia a ele detalhes íntimos sobre Mercader, de quem era próximo. A partir dessas revelações, o narrador reconstrói a trajetória de Liev Davidovitch Bronstein, conhecido como Trotski, teórico russo e comandante do Exército Vermelho durante a Revolução de Outubro, exilado por Joseph Stalin após este assumir o controle da URSS, e a de Ramón Mercader, o homem que empunhou a picareta que tirou sua vida. Mercader, uma figura sem voz na história, recebeu uma única missão como militante comunista: eliminar Trotski. O romance descreve sua adesão ao Partido Comunista Espanhol, seu treinamento em Moscou, a mudança de identidade e os métodos que utilizou para se aproximar de Trotski, revelando uma trama repleta de mistificações ao longo dos anos.
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