Alvo de protestos e de um covarde ataque no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, quando embarcava para o Rio de Janeiro, em 2017, a filósoFa e pesquisadora estadunidense Judith Butler teve seu mais recente livro "Quem Tem Medo do Gênero?" censurado no Brasil por causa de um processo surreal movido pela CaSa Publicadora Brasileira (CPB), editora da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD).
"O pretexto foi a reprodução, na capa interna da obra (com detalhe destacado na frente, em cor rebaixada) de uma foto tirada em manifestação contrária à autora durante sua última vinda ao país. Nessa imagem, devidamente creditada e com direitos livres, uma manifestante segurava cartaz com dizeres antigênero. Uma das ilustrações utilizadas no cartaz era do personagem “Quico” – desconhecido por nós e toda a torcida do Flamengo – cuja propriedade é reivindicada pela Casa Publicadora Brasileira", diz a Editora Boitempo, responsável pela obra no Brasil, em publicação nas redes sociais.
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O personagem, em questão, estampado em um dos cartazes que aparece na foto é usado em publicações da Igreja.
"Não é a primeira vez que tentam calar Butler em nosso país. Seu livro foi escrito justamente após os violentos ataques que a filósofa recebeu naquela sua última visita ao Brasil, em 2017", emenda a Boitempo.
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Em entrevista à Folha em abril deste ano, Judith Butler - uma das maiores autoridades sobre gênero no mundo - contou que resolver escrever o livro, sua primeira obra não acadêmica, justamente após ser "demonizada" por conservadores durante sua passagem no Brasil.
A foto, alvo do processo, foi tirada durante o ataque que sofreu de extremistas no aeroporto de Congonhas e ilustrava a capa interna do livro.
"Sabia antes de ir ao Brasil que havia debates sobre gênero no país e que várias comunidades conservadoras, católicas e evangélicas, estavam preocupadas com gênero. Mas me chocou saber que meu nome estava associado a isso e que eu era considerada uma espécie de demônio, uma força maligna. Também me surpreendi com o fato de as pessoas me acusarem, e quem trabalha com o conceito de gênero, de ser cúmplice de pedofilia ou de prejudicar crianças. Vi que elas achavam ter razão ao pedir que eu fosse agredida e expulsa do país. Isso era novo para mim. Eu me perguntava o que isso tem a ver com gênero", afirmou.
"Queria, então, entender quais eram as paixões envolvidas e como elas foram organizadas pela mídia de direita, pela igreja e por congressos internacionais para construir uma ideia de gênero como se fosse uma ideologia demoníaca", emendou a pesquisadora, sobre a origem de "Quem tem medo do gênero?".
Segundo a Boitempo, que recorreu da decisão judicial, o livro "ilumina como a centralidade do medo em torno do “gênero” em discursos conservadores e reacionários carrega o objetivo de criar pânico moral e angariar apoio popular a projetos políticos fascistas, autoritários e excludentes".
"Desde o anúncio de sua publicação, não foram poucos os ataques de caráter transfóbico e fascista também em nossas redes sociais", diz a editora, que retirou a imagem alvo do processo do livro, que voltará às livrarias.
"Com uma nova capa, QUEM TEM MEDO DO GÊNERO? retorna às livrarias nesta próxima semana e esses fatos apenas comprovam o quanto as reflexões de Butler precisam ser realmente lidas e debatidas".