EXCLUSIVO

Frei Betto: "Ultradireita não age por princípios e não consegue encobrir suas contradições"

Escritor e religioso, conhecido por lutas sociais históricas, analisa cenário político brasileiro em entrevista e comenta obra 'Tom Vermelho do Verde', centro do debate no CCBB

Frei Betto, antropólogo, pesquisador, teólogo e frade dominicano.Créditos: Divulgação
Escrito en CULTURA el

DE MINAS | Em entrevista exclusiva à revista Fórum, o escritor e frade dominicano Frei Betto, conhecido pelo ativismo histórico em prol das lutas sociais no Brasil e em Cuba, na América Central, traçou uma análise do contexto político global e pelo qual o Brasil passou e ainda passa com as consequências do governo Bolsonaro, além da importância da consciência crítica da literatura e do povo indígena na formação da identidade brasileira.

A descoberta do planejamento de um golpe de Estado em 2022, do plano de assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, assim como o “coringa” suicida na Praça dos Três Poderes, e Trump de volta ao poder nos EUA com a máquina pública e apoio de Musk, tudo em menos de um mês, foram alguns dos acontecimentos que escancaram a ultradireita como uma farsa ideológica, que segundo ele, não age por princípios e valores, mas por interesses individualistas. “Ela manipula a religião, sem conseguir encobrir suas contradições”, destacou Betto.

Ele prossegue: “A ultradireita proíbe o aborto em qualquer circunstância e, ao mesmo tempo, defende a tortura e torturadores e proclama que “bandido bom é bandido morto”. Na ética, condena a educação sexual nas escolas e usa o dinheiro público em benefício próprio. No campo espiritual, enche a boca com o nome de Deus e dissemina o racismo, a xenofobia e a aporofobia”, pontuou o religioso. Mesmo contraditório, esse extremismo cria raízes no senso comum, que vez ou outra retorna ao cenário político quando convém.

Em uma matéria da Fórum, publicada em 14 de novembro, o sociólogo Jessé Souza explicou a questão da falsa ideia de lobo solitário no campo social, fruto dessa influência. “A extrema direita é perita em manipular os sentimentos dessas pessoas. ‘Surfa com desenvoltura’ na situação de precariedade material e cultural [...]”. Leia a entrevista completa.

Frei Betto afirma que nesse processo em que a ultradireita tenta reescrever a história e a memória para manipular os mais vulneráveis, a literatura atua como agente de transformação e conhecimento social.

“A literatura não muda o mundo, muda as pessoas que, por sua vez, mudam o mundo (para melhor ou pior)”, afirma o frade, que também cita a literatura progressista como mais incisiva para iluminar os problemas que persistem no nosso presente. “Ajuda muito as pessoas a terem consciência crítica e estimula o engajamento por justiça e mudanças estruturais”, completa.

Tom Vermelho do Verde

A edição final do Clube de Leitura CCBB 2024 trará o religioso e a teóloga Magali Cunha como convidada especial. Como é tradicional no Clube, a escolha do livro a ser discutido no encontro do dia 11/12, às 16h30, ficou a cargo do público. O romance histórico Tom Vermelho do Verde (Rocco) de Frei Betto, que conquista desde as primeiras páginas, impressiona pelo profundo conhecimento da cultura indígena e venceu a votação aberta. 

O autor pretende, junto ao público, realizar um debate sobre o livro. A ideia é começar com uma introdução rápida e depois deixar o público à vontade para conduzir a conversa com questões sobre o tema central. À Fórum, o escritor, que ganhou em 1982 o prêmio Jabuti por seu livro de memórias Batismo de Sangue (Rocco) e em 1985, foi eleito Intelectual do Ano pelos escritores filiados à União Brasileira de Escritores (que lhe deram o Prêmio Juca Pato por sua obra Fidel e a religião), ainda conta o que o inspirou a escrever a obra, lançada em 2022.

“Foi descobrir que os indígenas constituem o segmento da nação mais sacrificado pelos 21 anos de ditadura militar. Descrevo o massacre sofrido pelos Waimiri-Atroari. Tudo baseado em fatos reais”, comentou Betto. Ele levanta a voz silenciada de povos indígenas, constantemente esquecidos pelo Estado e oprimidos pelos grupos que os exploram desde o que chama de "descobrimento" do país.

É uma obra-denúncia no passado e no presente e narra o sofrimento dos Waimiri-Atroari, quando suas terras foram invadidas para a construção da rodovia BR-174, na década de 1970, na ditadura militar, durante o governo de Costa e Silva. Os problemas dessa exploração persistem até hoje na Amazônia e permanecem pouco divulgado, sendo de conhecimento apenas de estudiosos das culturas indígenas brasileiras.

“Sem conhecer nossos povos originários, não conseguimos equacionar nossa identidade como brasileiros”, acrescenta Betto.

A formação da identidade nacional é resultado não só de uma fusão cultural, mas do indígena como símbolo e expressão das bases que constituem a identidade cultural do povo brasileiro, esse que não se dá conta disso.  Os indígenas foram levados para um simulacro de tensões culturais, das quais vivem e precisam resistir atualmente.

Em outra reportagem da Fórum, abordamos a preservação da cultura e do reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais, fundamentais na elaboração e articulação de políticas públicas eficazes e na transformação da relação entre o ser humano e a natureza, além da atuação de suas filosofias contra ideologias ultraliberais amplamente disseminadas.

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar