MEMÓRIA

Fuga de esposa de Pepe Mujica e presas políticas na ditadura do Uruguai é revelada em livro

Conhecida como Operação Estrela, fuga de 38 guerrilheiras de prisão em Montevidéu não havia sido contada há mais de 50 anos; obra histórica será lançada no Brasil

Livro '38 estrelas: a maior fuga de um presídio de mulheres da história', de Josefina Licitra.Créditos: Divulgação
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A escritora e jornalista argentina Josefina Licitra traz ao Brasil a história da maior fuga de prisioneiras políticas da América Latina. Em seu livro-reportagem que chega às livrarias no final de outubro, são detalhados como 38 jovens guerrilheiras escaparam de uma prisão nos anos 70, durante a ditadura militar do Uruguai. Entre elas, uma figura conhecida no cenário político: a vice-presidente do Uruguai até 2020 e atual esposa de Pepe Mujica: Lucia Topolansky.

Considerado um dos melhores livros de 2018 pelo The New York Times en Español e pela Forbes, 38 Estrelas: A Maior Fuga de um Presídio de Mulheres da História é uma obra de reportagem que aborda a realidade de mulheres relegadas. 

“O livro é a crônica épica da fuga, aquele episódio carcerário e político disruptivo que, por momentos, avança ao ritmo de um romance policial, e pode ser lido, como explica a autora no prólogo, como ‘uma alegoria da liberdade do corpo e do pensamento, e da luta pela sobrevivência’”, escreveu a jornalista Verónica Abdala, do jornal argentino El Clarín. “Episódio que permaneceu num silêncio enigmático até que a jornalista Josefina Licitra, cronista e uma das autoras mais destacadas de sua geração, decidiu narrá-lo.”

A autora, por meio de uma longa pesquisa, reconstruiu um evento histórico que marcou a luta por liberdade e justiça, especialmente entre as mulheres. A fuga das tupamaras, como eram chamadas, fazia parte de um das maiores resistências armadas na América Latina, o Movimento de Libertação Nacional Tupamaros (MLN-T), e foi resultado de meses de planejamento e escavação de túneis. A operação, que permaneceu desconhecida por cem dias, desafiou a repressão na prisão de Cabildo.

Jornal El Popular publicou notícia à população uruguaia em julho de 1971. Foto: Reprodução/Diario El Popular

"Elas foram presas por motivos diferentes, algumas simplesmente por distribuir panfletos do Tupamaros, outras por crimes mais sérios, como andar armadas, roubar carros ou provocar incêndios", disse Licitra, quando realizava a pesquisa, à BBC News em 2019.

As prisioneiras tupamaras e de outros grupos de esquerda eram mantidas em um pavilhão separado das detentas comuns na prisão de Cabildo, que possuía uma estrutura interna mais semelhante a uma casa do que a uma penitenciária, uma vez que não havia celas. Um ano antes, a administração da prisão estava totalmente sob a responsabilidade das freiras, mas essa situação mudou após a fuga de 13 prisioneiras durante uma missa na capela. Desde então, foram designados guardas para a vigilância externa da instituição.

Lucía Topolansky, uma das figuras-chave na operação, se uniu aos tupamaros em 1969, apenas quatro anos após a fundação do grupo guerrilheiro. Conhecida como "La Tronca" devido à sua personalidade forte, Lucía foi encarcerada na prisão de Cabildo em 1971, aos 27 anos, enfrentando acusações de delinquência e conspiração contra a Constituição.

Pepe Mujica e sua esposa, Lucia Topolansky. Foto: Embaixada dos Estados Unidos no Uruguai/Wikimedia Commons

De acordo com o relato de Licitra, logo após sua chegada, Lucía integrou a comissão responsável por organizar os detalhes internos da prisão. A escavação dos túneis, que mediam 18 metros de comprimento, 1,20 metro de altura e 80 centímetros de largura, levou aproximadamente cinco meses para ser concluída. Esse processo exigiu uma coordenação meticulosa com as prisioneiras, tanto pela localização dos túneis quanto para estabelecer táticas de distração que garantissem que os cúmplices do lado de fora não fossem descobertos.

“De todos os detalhes que compõem a fuga, há um que me comoveu especialmente. Diz respeito às ferramentas usadas pelas tupamaras para calcular onde fazer o buraco dentro da prisão. Para tomar as medidas, as presas usaram linhas e fitas métricas de costura: os materiais que recebiam na cadeia para cumprirem o papel considerado apropriado para uma mulher daqueles tempos. O fato de as 38 ‘estrelas’ – eram chamadas assim – terem reinventado os comandos com essa ferocidade poética me deu a força necessária para acreditar que essa história tinha várias camadas de significado. E para confiar que, uma vez retiradas, essas camadas revelariam um núcleo: um centro de fogo e escuridão que muitas mulheres – não apenas as fugitivas – poderiam sentir como seu”

- Trecho do livro "38 estrelas: a maior fuga de um presídio de mulheres da história"

Capa do livro-reportagem. Foto: Divulgação

Nos dias que antecedem o lançamento oficial de "38 Estrelas", da editora Relicário Edições no Brasil (21 de outubro), Josefina Licitra estará no Rio de Janeiro para uma série de eventos. No dia 17, a autora vai participar de um seminário na Universidade Federal Fluminense (UFF) e, no dia seguinte, vai estar na Livraria Janela, no Shopping Gávea, para um bate-papo com outras autoras e com o público.