MASSACRE DE PORONGOS

Lanceiros Negros, Revolução Farroupilha e o massacre de pessoas pretas

A data que representa o orgulho gaúcho também denuncia um ato de racismo enraizado

Pintura que representa o grupo "Lanceiros Negros", que lutou ao lado da elite gaúcha por liberdade.Créditos: /Reprodução
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O dia 20 de setembro é uma data comemorativa muito importante na cultura gaúcha, pois representa o "Dia da Revolução Farroupilha”. Os preparativos e as festividades costumam iniciar na semana em que a data cai, geralmente do dia 14 de setembro em diante.

Os outros estados brasileiros associam a cultura gaúcha ao orgulho de pertencer ao Rio Grande do Sul e aos valores tradicionais, que passam de geração em geração. Essa celebração é uma exemplificação dessa perspectiva.

Quando se vai às ruas das cidades gaúchas nesta época, é comum se deparar com desfiles que contemplam e representam os símbolos históricos, além de pessoas vestidas de trajes típicos, como o lenço vermelho no pescoço, a camiseta branca, a famosa “bombacha” e a bota. 

Vestimenta gaúcha utilizada durante a celebração do dia 20 de setembro (Reprodução)

A tradição do dia 20 de setembro está ligada à Guerra dos Farrapos, que aconteceu entre 1835 e 1845, na região Sul do Brasil. Também chamada de “Revolução Farroupilha”, o conflito teve início porque a elite predominantemente gaúcha estava insatisfeita com os altos impostos advindos do reino imperial brasileiro. 

Ao se contrapor perante o império, os “farrapos”, palavra que deriva do termo “esfarrapado”, que se tratava da forma como as pessoas que se identificavam com ideais liberais eram pejorativamente chamadas na época, se organizaram para defender seus próprios interesses políticos e econômicos. 

O grupo era formado, principalmente, por fazendeiros, militares e comerciantes que pertenciam à classe dominante gaúcha. Ao longo do tempo, camponeses e soldados de baixo escalão aderiram ao movimento. 

A ocasião se tornou a maior e mais longa guerra travada em solo brasileiro. Líderes como Bento Gonçalves, Giuseppe Garibaldi e Ana Joaquina são aclamados pelos gaúchos até hoje, sendo homenageados com estátuas, nomeação de cidades e nas passeatas que acontecem na data comemorativa. 

A Guerra dos Farrapos chegou a pleitear o Rio Grande do Sul como um país separado do resto do Brasil, chamado “República Rio-Grandense”, que continha bandeira e Constituição próprias. 

Massacre de Porongos: o mito do gaúcho e a história não contada

Embora a Guerra dos Farrapos tenha resultado na derrota do grupo que a iniciou, com a assinatura do tratado “Paz de Ponche Verde” em 1º de março de 1845, que previa o fim do conflito e o perdão aos rebeldes, as batalhas contaram com a ajuda não apenas da elite gaúcha, como de pessoas escravizadas. 

Os Lanceiros Negros, grupo composto por homens negros escravizados, teve muita importância na força de combate dos farroupilhas, mas não costuma ser lembrado pelas tradições gaúchas. 

Liderados por Bento Gonçalves, após o fracasso dos rebeldes e da anistia concebida pelo governo imperial, os homens escravizados que se juntaram à causa farroupilha e sacrificaram seu sangue em busca de liberdade e direitos humanos na sociedade escravocrata foram traídos pela mesma organização que lhes prometeu liberdade após a guerra. 

Em 14 de novembro de 1844, como um dos últimos atos da guerra civil, os líderes David Canabarro e Duque de Caxias realizaram uma emboscada – o Massacre de Porongos – que assassinou mais de 100 soldados negros que participaram do conflito. 

Os homens que sobreviveram foram levados à Corte da época, sem receber o mesmo perdão da elite gaúcha. Essa foi a solução encontrada frente a um Brasil escravocrata, que não sabia o que fazer com tantos homens que reivindicavam liberdade, uma vez que a sociedade da época só aceitaria a condição de enviá-los de volta aos seus “patrões”