A Irlanda e a música internacional perderam um ícone nesta quarta-feira (26). A cantora Sinéad O’Connor, de 56 anos, teve sua morte confirmada pela família em um comunicado à rede de notícias irlandesa RTE. “É com profunda tristeza que comunicamos o falecimento de nossa amada Sinéad. Sua família e amigos estão devastados e pedem privacidade nesse momento difícil.”
A artista foi um expoente da música irlandesa, surgindo pouco antes dos anos 1990, com sua cabeça raspada e uma voz diferente do que muitos tinham ouvido até então. Ela influenciou diversos nomes, como as cantoras Sarah McLachlan e Alanis Morissette, que já afirmou que Sinéad foi uma das inspirações para seu aclamado álbum “Jagged Little Pill”, de 1995. Mas a vida de Sinéad também foi marcada por tragédias, polêmicas e problemas com saúde mental. Mesmo assim, ela se manteve como uma voz na luta contra questões como abuso sexual e militarismo.
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Abuso e início da carreira
Sinéad Marie Bernadette O’Connor nasceu em 8 de dezembro de 1966, no condado de Glenageary, em Dublin, capital da Irlanda. Aos 8 anos, com o divórcio de seus pais, foi viver com a mãe junto de dois de seus quatro irmãos, marcando a primeira tragédia em sua vida. A cantora, mais tarde, alegou ter sido abusada pela mãe, morta em 1985 em um acidente de carro. O trauma de infância acompanhou Sinéad durante toda a vida, influenciando suas músicas e as causas pelas quais lutava.
Aos 15 anos, coescreveu “Take My Hand”, primeiro single da banda de rock irlandesa de sucesso "In Tua Nua". Três anos depois, em 1984, formou a banda "Ton Ton Macoute", fazendo um barulho na cena de rock de Dublin. Logo ganhou um contrato solo com a gravadora Ensign Records. Ela contou, em entrevista à Rolling Stone em 1991, que os chefes da gravadora queriam que ela “usasse botas com salto alto, jeans apertados e deixasse o cabelo crescer. Decidi que eles eram tão patéticos que deveria raspar minha cabeça para que não houvesse nenhuma discussão futura”. Assim nasceu o visual que se tornou sua marca registrada.
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Em 1987, seu primeiro álbum “The Lion and the Cobra” era lançado, rendendo a Sinéad O’Connor sua primeira indicação ao Grammy. Ela lutou para ser a produtora do disco, com a assistência do baterista John Reynolds, que se tornaria o pai de seu primeiro filho, Jake, nascido naquele ano.
Mas foi seu segundo álbum, “I Do Not Want What I Haven’t Got”, que a alçou ao patamar de estrela internacional. Com o sucesso da música “Nothing Compares 2 U”, um cover do cantor Prince, o álbum ganhou dupla platina e o single foi eleito o número 1 da Billboard naquele ano. Emocionalmente, também foi um marco, já que foi fortemente inspirado na mãe da cantora, como disse em uma entrevista em 2009. “Até o título eu tirei de um sonho que tive com ela, em que ela me dizia ‘Eu não quero o que não tenho’[I do not want what I haven’t got, em inglês]”.
Lutas, polêmicas e problemas na carreira
Com o sucesso do último álbum, parecia que Sinéad iria se tornar uma estrela consolidada, mas a cantora nunca conseguiu um sucesso como “I Do Not Want What I Haven’t Got” novamente. Ao invés disso, sua voz foi ofuscada por polêmicas, que, em última instância, prejudicaram seu sucesso comercial.
Sinéad nunca teve medo de lutar pelo que acreditava. Em 1990, ela se recusou a aparecer como atração musical no famoso programa Saturday Night Live, pois seria apresentado pelo misógino Andrew Dice Clay. Em um show, ela proibiu que a casa tocasse o hino nacional dos Estados Unidos antes de sua performance. Em 1991, ela boicotou o Grammy em protesto à Guerra do Golfo. As polêmicas até despertaram a ira de Frank Sinatra, que ameaçou “chutá-la na bunda”.
Mas nenhum desses atos gerou tanta polêmica com o público quanto o que estava por vir. Em 1992, pelo lançamento de seu terceiro álbum “Am I Not Your Girl?”, ela se apresentou no Saturday Night Live. Com um poderoso cover da música “War”, de Bob Marley, cantada à capela, Sinéad alterou parte da letra para protestar sobre o abuso sexual ocorrido na Igreja Católica e, ao final da apresentação, rasgou uma foto do Papa João Paulo II em frentes às câmeras. “Lute contra o verdadeiro inimigo”, disse ela ao fim da música. Da plateia, a resposta foi o silêncio.
Após o ocorrido, a opinião pública em relação à cantora ficou dividida e ela foi excomungada pelo então Papa. Sinéad só voltaria a lançar músicas novas em 1994, com “Universal Mother”. Depois, o EP “Gospel Oak”, em 1997. Mas, novamente, sua vida pessoal tomou os holofotes. Ela passava por uma batalha legal contra o jornalista John Waters pela guarda de sua segunda filha, Roisin, nascida em 1996. Com o emocional abalado, a disputa de custódia levou a artista a tentar suicídio em 1999.
Em 2000, Sinéad O’Connor revelou à revista Curve dos Estados Unidos que seria lésbica. “Até agora não fui muito franca quanto a isso, e durante a maior parte da vida namorei homens porque não me sentia muito à vontade com minha condição. Mas, na realidade, sou lésbica, sim”, disse. No entanto, teve dois filhos com homens depois disso, Shane Lunny, em 2004, e Yeshua Bonadio, em 2006. Ela explicou em outra entrevista em 2005 que era “três quartos heterossexual e um quarto gay”.
Últimos anos
Ainda em 2000, Sinéad assinou com a gravadora Atlantic Records e lançou os álbuns “Faith and Courage” – seguido por duas colaborações com outros artistas –, “Theology”, de 2007, “How About I Be Me (And You Be You)?”, de 2012, e seu último álbum, “I’m Not Bossy, I’m The Boss”, de 2014.
Ela também passou a ser mais aberta sobre seus problemas com saúde mental. A cantora tinha o diagnóstico de síndrome do transtorno bipolar. Em 2015, postou em seu Facebook o que parecia ser uma carta de suicídio, deixando os fãs preocupados. Em 2020, passou um ano em um programa de tratamento para trauma.
A artista, que até então se declarava católica, se converteu ao islamismo e mudou seu nome para Shuhada Davitt em 2018. Em 8 de julho, a cantora fez um tweet que indicava sua volta aos palcos.
“Olá a todos. Recentemente me mudei para Londres depois de 23 anos. Muito feliz de estar em casa. Logo terminarei meu álbum. Lançamento ano que vem. Espero fazer uma turnê na Austrália e na Nova Zelândia até o fim de 2024. Europa, EUA e outros territórios começando em 2025. #AVadiaEstáDeVolta”.
No ano passado, Sinéad passou pela maior tragédia antes de sua morte. Seu filho Shane cometeu suicídio aos 17 anos. Em seu último post nas redes sociais, no dia 17 de julho, Sinéad compartilhou uma música com a legenda “Para todas as mães de filhos que se suicidaram”.
Sinéad O’Connor deixa três filhos e um legado de música e luta. A causa de sua morte não foi revelada.
Com informações da Rolling Stone.