A Tropicália está no centro de uma disputa na Justiça que envolve o cantor Caetano Veloso e o dono da grife carioca de roupas de luxo Osklen, Oskar Metsavaht.
No dia 24 de agosto Caetano e sua empresa, Uns e Outros Produções e Filmes Ltda., notificaram Metsavaht sobre o uso não autorizado de imagem e marca em publicidade. Neste mês, o cantor e a produtora dele processaram o estilista e pediram 1,3 milhão de reais em indenização.
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Caetano Veloso acionou a Justiça por causa da coleção de verão 2024 da Osklen, lançada em agosto. Nomeada "Brazilian Soul", a coleção foi inspirada no movimento tropicalista, do qual o cantor é um dos fundadores.
Agora, Metsavaht avisa que também vai à Justiça pedir explicações a Caetano sobre acusações que ele considera possíveis calúnias. O empresário da moda argumenta que as declarações do cantor foram agressivas e desnecessárias.
Como começou a confusão
Em agosto deste ano, a Osklen lançou a coleção de verão 2024, a "Brazilian Soul" (alma brasileira, em tradução livre), inspirada no movimento tropicalista. Na ocasião, Metsavaht postou na sua conta do Instagram fotos do show "Transa", realizado por Caetano. O conteúdo fazia referência ao movimento tropicalista, a Tropicália.
Essa postagem motivou Caetano a acionar a Justiça sob a alegação de que a Uns e Outros detém os direitos exclusivos sobre o uso do termo "tropicália". O cantor argumenta que, além de criador, também é cofundador e figura central do movimento tropicalista.
Na ação judicial, os advogados de Caetano acusam Metsavaht de vincular a campanha publicitária da Osklen para o lançamento da coleção à imagem e ao nome do cantor e destacam que houve violação contínua e evidente dos direitos autorais do artista.
Estilista contesta exclusividade
Metsavaht explicou à coluna Monica Bergamo, da Folha, considerou inicialmente nomear sua coleção de moda com o termo "tropicalista". Após consultar especialistas jurídicos, ele foi informado que o termo, originado pelo artista Hélio Oiticica em 1967, é de uso geral e não uma marca registrada ou propriedade autoral exclusiva. No entanto, ele decidiu escolher um nome diferente para a coleção.
A defesa do dono da Osklen pediu explicações sobre as acusações de Caetano Veloso e sua sócia e esposa, Paula Lavigne, que classifica como "desnecessárias, profundamente ofensivas e falsas".
Os advogados de Metsavaht reiteram que o termo "tropicália" é amplamente utilizado. Eles citam o envolvimento de diversas personalidades, como Oiticica e Lygia Clark nas artes, Torquato Neto, Waly Salomão e Duda Machado na literatura, Glauber Rocha e outros no cinema, além de Rogério Duarte no design e a Rhodia na moda.
A peça do estilista à Justiça também questiona se artistas como Gilberto Gil e Gal Costa necessitariam de autorização de Caetano e Paula Lavigne para usar a palavra "tropicália".
O que é Tropicália
A Tropicália - também chamada de tropicalismo e movimento tropicalista - surgiu no Brasil dos anos 1960. Esse período foi marcado por intensas mudanças sociais e culturais. Havia um aparente e artificial crescimento econômico e modernização alardeados pela ditadura cívico-militar instalada após o golpe de 1964, marcada por repressão política e violência do Estado.
O movimento tropicalista propunha uma nova forma de expressão artística que dialogasse com a cultura popular brasileira e as influências internacionais. O Tropicalismo buscava quebrar as barreiras entre o "culto" e o "popular", desafiava as normas conservadoras e provocava reflexões sobre a identidade nacional e a modernidade.
O Tropicalismo se contrapôs à Bossa Nova principalmente no aspecto de inovação e experimentação. Enquanto a Bossa Nova era mais suave e focada na estética do samba e do jazz, mantendo uma certa elegância e minimalismo, o Tropicalismo era mais ousado e experimental, misturando diversos estilos e influências, incluindo rock, psicodelia e elementos da cultura pop internacional.
O Tropicalismo também tinha uma forte veia política e social, frequentemente abordando temas controversos e desafiando o status quo, ao contrário da abordagem mais apolítica da Bossa Nova.
Disco Transa
Transa, que está no epicentro da disputa com Metsavaht, é o sexto álbum de estúdio de Caetano Veloso, gravado em 1971 no Chappell's Recording Studios, em Londres (Inglaterra), e lançado pela gravadora Philips em janeiro de 1972.
O cantor baiano fugiu da ditadura brasileira em 1969. Exilado em Londres ele visitou o Brasil em 1971 para um evento familiar. Durante sua estadia, foi interrogado por militares no Rio de Janeiro (RJ), que sugeriram que ele compusesse uma música elogiando a Transamazônica, proposta que ele recusou.
A Transamazônica, BR-230, é uma rodovia federal brasileira que se estende por 4.260 km, alcançando 5.662,60 km ao incluir trechos não construídos. Começou a ser construída no governo de Emílio Médici, é uma das grandes obras inacabadas da época da ditadura militar no Brasil. A rodovia se inicia em Cabedelo, na Paraíba (Nordeste), e estende-se até Lábrea, no Amazonas (Norte).
O disco Transa é considerado um marco na MPB devido à sua fusão inovadora de ritmos brasileiros com influências internacionais, refletindo a experiência de exílio do artista.
O álbum simboliza uma expressão artística durante um período de repressão política no Brasil, combinando elementos da música popular brasileira com tendências globais da época, o que ampliou as fronteiras da música brasileira e influenciou futuras gerações de músicos.
A coleção Brazilian Soul
A coleção de verão 2024 da Osklen, a "Brazilian Soul", de acordo com o site da marca "Expressa um Movimento de Transformação de Energia, Leveza e Liberdade". Presta homenagem ao movimento da Tropicália dos anos 1960.
As peças representam uma mistura de expressão, sensualidade e atitude, simbolizando um verão energético e mesclam elementos da tapeçaria brasileira e padrões tropicais, com cores vibrantes e uso de fibras naturais como linho e juta.
Um dos destaques é a linha Superlight, com peças versáteis e dupla face, e uma nova linha de amassados em tricoline e malha plana. A peça mais barata, uma meia, custa 127 reais. A mais cara, uma bolsa feita em couro de pirarucu (peixe da Amazônia), custa 4.997 reais.