IMPERDÍVEL

Piratas em Paraty? Conheça a FLIPEI, a mais radical festa literária das editoras independentes

Em sua 5ª edição, evento que ocorre simultaneamente à Flip enaltece a resistência das editoras independentes com vasta programação em articulação com movimentos sociais, indígenas, quilombolas e militantes; saiba mais e se programe

Multidão ao redor do "barco pirata" da FLIPEI.Créditos: Foto: Divulgação
Escrito en CULTURA el

Os piratas da literatura estão prestes a ancorar na histórica cidade de Paraty (RJ). A partir desta quarta-feira (22), terá início a FLIPEI - Festa Literária Pirata das Editoras Independentes, evento que chega a sua 5ª edição reunindo editoras e escritores independentes, movimentos sociais, poetas, militante e artistas para uma imersão política e cultural com vasta programação de forma simultânea à Flip - Festa Literária Internacional de Paraty

Organizada pela editora Autonomia Literária e a RIzoma Livros, a FLIPEI emergiu como um ponto de convergência para debates intensos, slams, shows vibrantes e lançamentos ousados. 

A festa, em outros anos, já teve atividades realizadas em locais que vão de um barco pirata a um ônibus de livros e reuniu nomes proeminentes da esquerda brasileira, entre eles Silvio Luis de Almeida, Anielle Franco, Sonia Guajajara, Crimethinc, Don L, Bnegão, Mark Bray, Jones Manoel, Juliane Furno, Guilherme Boulos, Zé Celso, Ailton Krenak, Asad Haider, Sidarta Ribeiro, Gregório Duvivier, Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo, Ava Rocha, Julieta Paredes, Cidinha da Silva, Cristine Takuá, Ana Prestes, Chavoso da USP, Juliana Borges, Valério Arcary, Nastassja Martins, Rodrigo Nunes, Jamil Chade, Hannah Limulja, Mariana Félix, Ediane Maria, Patricia Campos Mello, Kristin Ross, Raquel Rolnik, Preta Ferreira, Isabel Loureiro, Rita Von Hunty, Padre Júlio Lancelloti, e muitos outros. 

O dramaturgo Zé Celso, que morreu este ano, em participação na FLIPEI (Foto: Divulgação)

Durante o governo de Jair Bolsonaro, o caráter de resistência da FLIPEI foi ainda mais evidente e necessário. 

“Nunca foi fácil. Viver sob o regime do capital é viver sob um rolo compressor que assola a todos - o tempo todo. Viver sob o capitalismo em profunda crise acoplado a um regime neofascista deixou tudo mais difícil, perigoso e tenso. Se viver é perigoso, viver na pandemia com regime bolsonarista foi tiro, porrada e bomba. Os períodos de maior autoritarismo político são também os períodos de maior tensionamento social. São nessas épocas que os grupos e movimentos sociais se radicalizam e inventam novas possibilidades de existir”, afirmam Caue Seigner Ameni e Rafael Limongeli, membros da organização da FLIPEI. 

Os organizadores relembram, por exemplo, da edição de 2019, quando a presença do jornalista Glenn Greenwald em uma das atividades da festa, à época das revelações dos escândalos da operação Lava Jato, motivou ataques e ameaças da extrema direita. 

“A direita da cidade de Paraty ficou em polvorosa, saíram das suas tocas e resolveram botar a cara na rua, ameaçando de morte o jornalista e sua família. Chegaram a fazer uma espécie de pedágio na porta da cidade para impedir a entrada do jornalista. À este estardalhaço patético da direita, a esquerda da cidade de Paraty junto ao público da FLIPEI se auto-organizou para defender nosso território coletivo e fazer a mesa acontecer. Foi uma noite histórica. Do lado direito do Rio Perequê-açu, a direita tocava o hino nacional em caixas distorcidas de carros luxuosos e atirava rojões na direção do nosso barco. Do lado esquerdo, mais de 5 mil pessoas reunidas esperavam atentas o acontecimento da mesa e do debate, fizeram barricadas na ponte de acesso para impedir ataques bolsonaristas e articulamos uma rede secreta para levar nosso convidado até nosso barco, que além de palco também era nossa livraria, através de uma lancha caiçara batizada de ‘A hora da aventura’. Seguiremos combatendo o fascismo sempre que necessário”

Multidão ao redor do "barco pirata" da FLIPEI (Foto: Divulgação)

Programação ampla

Na edição de 2023, o evento será realizado na “vila pirata” da Praia do Pontal acompanhado de canoas caiçaras, quilombolas e indígenas. Uma das marcas da FLIPEI é a articulação com movimentos sociais e, este ano, haverá encontros com representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Biblioteca Terra Livre, Kasa Invisível, entre outras organizações nacionais e internacionais, e uma parceria com o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT).

Para festejar Patrícia Galvão, a comunista Pagu, a autora homenageada da Flip, será lançado na FLIPEI o livro “Pagu na Vanguarda Socialista: os escritos mais incendiários de Patrícia Galvão”.

A programação, segundo os organizadores, será “explosiva”: haverá shows, intervenções e debates com Silvia Federici, KL Jay, Rita Von Hunty, Veronica Gago, Don L, Ediane Maria, Marcello Musto, Juliane Furno, Sidarta Ribeiro, Jones Manoel, Talíria Petrone, Maristella Svampa, Manoel Matimucuio, Aida Gomes, Silvana Jeha, Breno Altman, Glicéria Tupinambá, Jamil Chade, Deivison Faustino, Ivanildes Guarani, Micael Zaramella, Pedro Rossi, Renan Quinalha, Ana Morel, DJ Pensanuvem, DJ Pagu, Bazuros, Maira Moreira, entre outros. [CONFIRA A PROGRAMAÇÃO COMPLETA AO FINAL DESTA MATÉRIA]

“Pagu na Vanguarda Socialista: os escritos mais incendiários de Patrícia Galvão” será lançado na FLIPEI (Foto: Divulgação)

A entrada é gratuita e aberta ao público, que pode apoiar a FLIPEI e ganhar contrapartidas exclusivas - desde desconto no bar durante a festa até cursos e brindes especiais - por meio da campanha disponível neste link

“Pirataria” e resistência

Em conversa com a Fórum, dois membros da organização da FLIPEI, Caue Seigner Ameni e Rafael Limongeli, explicaram o motivo pelo qual o evento se define como “pirata” a partir do livro “Utopias Piratas: a revolta de mouros, hereges e renegados na emergência do capitalismo”, de Peter Lamborn Wilson, lançado em 2022 pela Autonomia Literária. 

“Segundo o livro do Peter Lamborn Wilson 'Utopias Piratas: a revolta de mouros, hereges e renegados na emergência do capitalismo', que nós lançamos em 2022 dentro da coleção de livros FLIPEI em parceria com a editora Autonomia Literária, os piratas foram as primeiras experiências de ocupação dos meios de produção na emergência do capitalismo com as grandes navegações. Como se fosse a primeira fábrica ocupada pelos trabalhadores. Quando observamos os processos de colonização do mundo pelas potências europeias, as embarcações foram as principais tecnologias para a exploração e acumulação primitiva do capitalismo - irrigando todo um sistema de plantation, de regime escravista e do trabalho não remunerado das mulheres. Portanto, piratear é sinônimo de ocupar os meios e resistir aos monopólios. A pirataria, segundo o livro, também articula uma rede de trocas, segredos, conspirações, ilhas autogeridas e revoltas que buscavam por um novo mundo. Contra a violência imperialista dos primeiros Estados modernos que exploravam a África e a América através de suas tropas marítimas, os piratas cultivavam ilhas secretas onde a festa e a liberdade eram regra”, afirmam Ameni e Limongeli. 

Público na festa literária (Foto: Divulgação)

“Os piratas eram formas de vida anti-sistêmica, anti-clerical, que cultivavam a liberdade acima de tudo como meio de vida. Segundo o autor, eram os ‘primeiros socialistas’, que misturavam o anarquismo na busca da pela liberdade e o comunismo na troca igualitária do butim. Deste modo, nós também agimos contra os monopólios das antigas megalivrarias ou das plataformas online que querem colonizar marte enquanto destroem nosso planeta. A FLIPEI surgiu como uma frente única entre editoras independentes do país para cultivar uma nova relação com o livro, o público leitor e a circulação do pensamento. Somos uma rede de publicadoras que vivem no vermelho - oras nas contas mas sempre na ideologia”, prosseguem os organizadores. 

Paraty: cidade pirata 

Ao serem perguntados sobre como surgiu a ideia de criar FLIPEI e realizá-la simultaneamente à Flip e na mesma região, os organizadores argumentam que Paraty é uma “cidade pirata” e destacam a importância do evento. 

“Paraty é uma cidade pirata, cidade de povos resistentes às colonizações e ocupações imperiais: seja o império português, o brasileiro, o da rede Globo ou o dos megaeventos. O povo de Paraty - os indígenas, os quilombolas e os caiçaras, lutam por ar para respirar, terra para cultivar e sol para brilhar numa resistência cultural. Nós viemos somar com a luta deles e do mercado editorial independente”, declaram. 

“Eventos como a Flip foram cruciais para um desenvolvimento cultural cosmopolita na cidade de Paraty, fomentando a formação de jovens produtores culturais e visibilizando expoentes artísticos. Eventos como o Bourbon Jazz Festival trazem bandas do povo preto de New Orleans para tocar na praça pública. No entanto, também acirraram as contradições entre os herdeiros coloniais e os povos que foram expropriados de sua terra. Como sempre, com uma mão o capital oferece os luxos da cultura e com a outra segura a chibata que corre no lombo das classes subalternizadas. Em Paraty não é diferente. Tanto para as pequenas editoras, quanto para o pensamento crítico e para os movimentos sociais locais-globais, não há espaço para participação real e efetiva. Você pode participar, desde que seja a serviço de alguém que tem o poder artístico, cultural e político nas mãos. Práticas dos grandes centros urbanos são reproduzidas na cidade durante os megaeventos: especulação imobiliária, gentrificação de bairros, exclusão dos trabalhadores dos eventos culturais e etc.. A FLIPEI, junto com outras casas parceiras da resistência, como a Casa Poéticas Negras, Casa Utopia, entre outras, fazem um coro anti-sistêmico e abrem espaço para vozes e corpos dissidentes falarem”, emendam Caue Seigner Ameni e Rafael Limongeli. 

Segundo os organizadores, realizar FLIPEI “junto e misturado” com a Flip é uma forma de fazer com que a maior festa literária da América Latina “possua dissonâncias e pluralidade”. 

Slam na FLIPEI (Foto: Divulgação)

“Caso contrário, vamos reproduzir apenas a literatura plácida e escolástica, apagando as vibrantes experiências do livro nos contextos mais diversos - da militância ao slam. Nós ocupamos a Flip, cultivando um espaço realmente democrático, gratuito e acessível para todos”. 

Confira abaixo a programação completa da FLIPEI 2023 

QUARTA (22/11)

16H Onira: tatiana nascimento & jovem palerosi. part. caco pontes

17H Arte, política e agitprop: da Pagu às lutas de hoje, com Maiara Líbano, Dinelli, Diego S. Dias, Caco Pontes, Baruq e Vitória Lobo.

19H Me contento em ser poesia com Coletivo Rubra e Primeiro Ato Slam

22H REALIDADE NEGRA (QUILOMBO DO CAMPINHO) 

23H30 KL JAY 

2H30 DJ ZAMBA

QUINTA (23/11)

10H Diáspora, exílio e refúgio – entre a memória e a política, com intervenção de Johnny Salaberg e debate com Vitor Graize, Marcelo Maluf, Heloisa Melino, Richemond Dacilien e Paula Carvalho.

12H Slam – da quebrada pro mundão, com Matriarack, Naiá Curumim, Laura Conceição, Brisa de Souza, Natalia Cariri e Mel Duarte.

14H [Show] Bruna Luchessi

15H A extinção da internet, com Vitória Cruz, Julie Ricard, Amauri Gonzo, Pedro Markum e Marcos Morcego.

17H ??Dez anos das revoltas de 2013, com Antonia Malta Campos, Elisa Quadros, Fábio Palácio e Facção Fictícia.

19H Crise climática e as alternativas do bem-viver, com Maristella Svampa, Helena Taliberti, Daniela Arbex, Vania Guerra e Vitória Lobo.

20H30 – AQUABIENTA

22H – BAZUROS 

23H30 – DJ PENSANUVEM

SEXTA (24/11)

10H Educação Periférica – escrevivendo experiências antirracistas nas escolas públicas, com Ricardo Henriques, Jailson de Souza e Silva, Edneia Gonçalves e Cléber Ribeiro.

12H Esporte antifascista!, com Micael Zaramella, Vitoria Lobo, Micha, Aira Bomfim e Danilo Pássaro.

14H [Discotecagem comentada] Nathália Grilo 

15H Revolução preta – da África à América, com Marcos Queiroz, Luciana Brito, Jones Manoel, Ronaldo dos Santos e Cleber Ribeiro.

17H Descolonização e a luta pela terra – da Palestina à América Latina, com Ana Morel, Breno Altman, Mestre Joelson, Jemina Alves e Ariane Martins.

19H Os fins do gênero, com Rita Von Hunty, Geni Nunes, Natalia Borges, Luisa Amaral, Renan Quinalha e Maíra Moreira

22H – MUNDIÁ CARIMBÓ 

00H30 – DJ PAGU feat Babi Grayce

SÁBADO (25/11)

10H A importância de Marx para solucionar a crise climática e econômica, com Juliane Furno, Pedro Rossi, Marcello Musto, Gustavo Machado e Vitória Lobo.

12H Abolir a polícia, com Mario Rui, Kric Cruz, Almir Fellite, Júlia Almeida e Jeniffer Mendonça.

14H [Processos editoriais] Ciclo Selvagem

15H Pretitudes e negritudes contra o apagamento histórico-cultural, com Manoel Mutimucuio, Aida Gomes, Mauriceia Pimenta, Deivison Faustino, Jô Freitas e Cleyton Mendes.

17H Outras pagus – ousadas, comunistas e insubmissas, com Giuliana Bergamo, Ediane Maria, Silvana Jeha, Amelinha Teles e Tarianne Bertoza.

19H A guerra contra as mulheres e a resistência feminista, com Silvia Federici, Verónica Gago e Luci Cavallero Mediação Jéssica Balbino ~ Intervenção política com Talíria Petrone ~ Intervenção artistica da Luiza Romão antes da mesa.

22H – H2M 

22H40 – BLACKYVA 

23H – DON L 

00H – DJ CALIXTO LOOP

DOMINGO (26/11)

11H O capitalismo está nos adoecendo – saúde mental além da clínica, com Stéphanie Jobst, Sidarta Ribeiro, Maíra Moreira, Ruy Braga e Rodrigo Gonsalves.

13H Memórias para outros futuros possíveis – utópicos e distópicos, com Pedro Cesarino, Ivanildes Kerexu, Mário Medeiros, Hanna Limulja, Rogério de Campos e Vitóra Lobo.

15H Como evitar o golpismo militar na América Latina, com Jamil Chade, Marcos Queiroz, Juliano Medeiros e Mário Rodrigues, Leo Folleto e Vitória Lobo.

18H – SAMBA DAS TRABALHADORAS 

19H – DJ ORKIDIA