LITERATURA BRASILEIRA

A entrevista com Carlos Drummond de Andrade que nunca chegou a ser publicada

Um dos maiores poetas brasileiros concedeu uma exclusiva para um jovem em 1982; leia na íntegra documento que a Fórum teve acesso

Estátua de Drummond em Copacabana.Créditos: Donatas Dabravolskas/Wikimedia Commons
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Roberto Hirth, um jovem estudante à época com 17 anos, avistou uma grande figura da literatura saindo de um consultório médico. Impelido por sua curiosidade, ele decidiu solicitar o contato dessa personalidade à secretária. A sala de espera do consultório ficava localizada na zona do Sul do Rio de Janeiro, mais especificamente no Jardim Botânico. O ano era 1982.

O estudante então tomou a decisão de telefonar, na esperança de fazer contato com quem já era naquela época um dos maiores poetas brasileiros: Carlos Drummond de Andrade. Para sua surpresa, alguém atendeu prontamente e o que o pegou de surpresa foi a pergunta proferida com uma característica desconfiança: "Quem deseja falar com Carlos Drummond de Andrade?"

Hirth é hoje um empresário entusiasta da gastronomia carioca e revelou o que sentiu na época. “Imagina como eu não fiquei com aquela resposta?! Era um adolescente determinado a entrevistar o poeta do qual tanto se ouvia falar na escola!”

Carlos Drummond então respondeu à solicitação da entrevista feita pelo estudante: “Você me traz as perguntas que eu te entrego por escrito.” À época era morador da Rua Marechal Mascarenhas de Morais, Hirth lembra como tudo aconteceu. “Levei até a portaria do prédio dele em Copacabana, e fui lá buscar três dias depois. Ele deixou as respostas datilografadas num envelope com o porteiro, morava na altura do posto 6”. Coincidentemente, ele morava próxima ao posto 3, também em Copacabana.

Roberto iniciou a entrevista com a pergunta sobre a definição de um bom poema, direcionada a Drummond, e concluiu indagando a visão do poeta sobre o interesse dos jovens pela poesia, totalizando oito questões. Lembrando o dia em que fez contato visual com Drummond na clínica médica, Roberto Hirth recorda que o poeta estava vestido de forma sóbria, usando seus característicos óculos. "Camisa de botão, calça e cinto." 

Este detalhe aparentemente trivial ganha importância, pois Drummond era um modernista que evitava entrevistas e valorizava sua privacidade. Entre as raras conversas com jornalistas, a última, ocorrida em 15 de agosto de 1987, apenas dois dias antes de sua morte, foi histórica. Carlos Drummond de Andrade concedeu essa entrevista a Luiz Fernando Emediato, do "Estado de S. Paulo" em seu próprio apartamento em Copacabana, mas ninguém sabia que havia ocorrido outra em 1982. Veja entrevista transcrita pela Fórum ou acesse a íntegra.

Hirth – Para o Sr., o que caracteriza um bom poema?

Drummond – A combinação perfeita de forma e conteúdo: a ideia ou a emoção expressa em forma artisticamente realizada.

Hirth – Sr. acha que a poesia deve ser um veículo das ideias políticas e ideológicas do autor?

Drummond – Não compreendo a poesia como veículo de qualquer coisa que não seja puramente… poesia. Se o poema gira em torno de um tema político ou ideológico – e isto é concebível, pois há um infinito temas, todos cabíveis em poesia – nem por isso deve deixar de impor-se como poema, isto é, como produto artístico, válido por si mesmo. A questão é que, na maioria das vezes, os poemas ditos sociais ou políticos não passam de meros discursos pretensiosos, despidos de qualidade estética.

Hirth – William Wordsworth disse que a poesia “é um jorrar espontâneo de emoções relembradas em tranquilidade”. O Sr. está de acordo?

Drummond – Esta é uma entre milhares de definições de poesia, todas certas mas insuficientes. Tanto a emoção ganha em ser “reconstituída” com tranquilidade, como na transcrição verbal imediata, sob o fogo direto. Não existe, que eu saiba, definição absoluta de poesia. Manuel Bandeira divertiu-se, durante algum tempo, colecionando as inúmeras tentativas nesse sentido.

Hirth – O Sr. encontra, através de nossa evolução poética no período Modernista, uma linha evolutiva harmoniosa, com tendências que se vêm reproduzindo ininterruptamente e características permanentes?

Drummond - Não vejo sequência harmoniosa, ou evolução, nos domínios da criação literária em geral. Experimentam-se novas técnicas, eis tudo. Virgílio continua atual, e muitos poetas de hoje estão fadados ao esquecimento, que é também uma lei literária.

Hirth – Como o poeta sempre está se renovando, é difícil traçar as características de sua poesia. Como o Sr. resumiria esse ciclo evolutivo de sua produção?

Drummond – Sinceramente, não me considero habilitado a julgar meu próprio trabalho. Estou demasiado envolvido nele para tentar analisá-lo.

Hirth – De onde vem a sua grande capacidade de exprimir suas ideias através da prosa e poesia? O Sr. acha que todos nascem com essa capacidade?

Drummond – Prejudicado, em parte, pela resposta à pergunta anterior. Quanto à questão de ordem geral, acho difícil concluir alguma coisa sobre o problema científico da vocação. Parece-me que as aptidões criativas independem, até certa medida, de cuidados e condições especiais de estímulo, havendo mesmo casos em que elas se desenvolvem em ambiente hostil. Cedo a palavra aos geneticistas e psicólogos.

Hirth – O que o levou, nos últimos anos, a se dedicar mais às crônicas do que à poesia?

Drummond – Dedico-me à poesia e à crônica jornalística desde a mocidade. Sucede que a primeira eu cultivo para meu próprio gosto, e a segunda é praticada profissionalmente, como meio de vida. Mesmo que não tivesse parte do meu tempo reservado ao jornal, eu nunca seria um poeta muito produtivo. Costumo dizer que a poesia é a linguagem de certos momentos, e a prosa a linguagem de 24 horas por dia.

Hirth – Como o Sr. vê, na última década, o interesse dos jovens pela poesia?

Drummond – Não tenho elementos para avaliar o grau de interesse dos jovens pela poesia. Não há estatísticas sobre o número de consumidores jovens desse gênero literário. Quanto ao fato de muitos adolescentes escreverem versos, creio que sempre foi assim e continuará a ser, pois esta é a maneira comum de manifestarem anseios e reações sentimentais em estado puro, isto é, sem crítica raciocinante. São versos a que naturalmente falta conhecimento técnico, e na maioria dos casos, com o passar do tempo, são abandonados e esquecidos pelos seus autores.

Carlos Drummond de Andrade

Créditos: Divulgação

Em 31 de outubro de 1902, veio ao mundo um dos nomes mais emblemáticos da literatura brasileira e global, Carlos Drummond de Andrade. Este renomado poeta, cronista e contista brasileiro legou à posteridade um legado literário que persiste em inspirar sucessivas gerações e cativar almas com sua poesia reflexiva, profunda e ao alcance de todos.

Originário de Itabira, Minas Gerais, Carlos Drummond de Andrade é celebrado por sua destreza singular em retratar a intricada tapeçaria da vida humana e da sociedade por meio de sua poesia. 

Seu estilo literário é marcado por uma aparente simplicidade que oculta ponderações profundas sobre temas que abrangem o amor, a efemeridade do tempo, questões políticas e a existência humana. Entre suas obras mais conhecidas, estão "Alguma Poesia" (1930), "Sentimento do Mundo" (1940), "Claro Enigma" (1951) e a"A Rosa do Povo" (1945).

Confira a íntegra da entrevista abaixo

 

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