O fim do mês de setembro foi marcado por uma notícia que chocou a sociedade brasileira: a cantora Sandy e o instrumentista Lucas Lima anunciaram o fim do casamento após 15 anos de união.
À época, Sandy e Lucas divulgaram um comunicado em conjunto no qual revelavam que tudo tinha acontecido de comum acordo e que a amizade entre eles permanecia.
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"Não houve briga, mágoa, traumas... a gente conseguiu enxergar que esse era o melhor caminho e vamos deixar de ser um casal da mesma forma que a gente foi um: com muito amor, respeito e amizade infinita," escreveram Sandy e Lucas à época.
No entanto, uma série de especulações começaram a surgir sobre o que teria levado Sandy e Lucas a se separarem. Entre elas, a de que o livro "A Morte de Ivan Ilitch," clássico da literatura russa escrito por Lev Tolstói, teria sido o pivô da separação.
Tal especulação ganhou força porque, duas semanas antes do anúncio da separação, Lucas Lima publicou em suas redes uma resenha sobre o livro e revelou que a obra o "chacoalhou."
"Russo não tem o menor jeitinho na hora de falar as coisas NA LATA, né? Texto muito direto, sólido, sem firula nem carinho. Verdade sem desvios. Baita reflexão sobre a vida, sobre escolhas e os porquês destas. Deu uma chacoalhada legal do Lucão. Recomendo," escreveu Lucas Lima.
Se tal especulação é verdade ou não, nunca saberemos, mas podemos promover um diálogo entre o comunicado emitido por Sandy e Lucas e algumas questões presentes na obra-prima escrita por Tolstói.
Tolstói responsável pela separação de Sandy e Lucas Lima?
Publicado originalmente em 1886, "A Morte de Ivan Ilitch" marca o retorno de Liev Tolstói à literatura e até hoje é considerado um dos livros mais importantes do mundo, e isso por alguns aspectos: a estética de sua redação e profunda crítica sobre felicidade matrimonial, liberdade e morte, temas até hoje caros às artes como um todo.
Em "A Morte de Ivan Ilitch," acompanhamos a vida de Ivan, um jovem brilhante que logo ingressa na vida pública e tem rápida ascensão. A partir daí, Ivan acredita que para a sua vida atingir a completude, necessita encontrar uma companheira, casar e constituir uma família.
Dessa maneira, Ivan se casa com Pracóvia Fiódorovna, e os primeiros anos dessa união são, de fato, repletos de momentos prazerosos, felicidade, amor e trocas envolvidas. No entanto, o tédio e a repetição chegam, arremessando o casal, mas principalmente Ivan, à realidade da vida e a uma trágica infelicidade.
Mas o que seria a realidade da vida? Neste caso, as precariedades materiais, o salário que quase nunca dá conta de todos os custos de vida estabelecidos pelo casal. A partir das primeiras crises do casal, Tolstói nos lança a um mar de questões a partir de seu personagem Ivan: a felicidade existe? A vida é isso: trabalhar, aguentar desaforos, ver o amor e a felicidade se esvaírem e morrer?
Tais reflexões se apossam de Ivan Ilitch, visto que lhe foi ensinado que a plenitude da vida seria encontrada com um bom trabalho e uma família constituída. Ele alcançou tais objetivos, mas nunca a tal felicidade e a completude da vida.
Porém, os dilemas de Ivan Ilitch se amplificam quando ele fica doente e entende que os seus dias estão contados. Diante da finitude da vida, o personagem revisita momentos de sua existência onde acredita que tenha sido feliz. Mas voltar às memórias da infância resolvem?
"Seria possível, se se dissesse que eu não vivi como se devia. Mas é impossível admiti-lo [...] é impossível admiti-lo [...] não há explicação! o sofrimento, a morte... Para que?", exclama Ivan Ilitch à beira da morte.
Além disso, Ivan também reflete longamente sobre sua vida de casado, e é com estupor que ele aceita a ideia de que apenas os primeiros anos de sua vida de casado foram felizes, todo o restante foi de brigas, ofensas e um distanciamento constante do casal, até que se tornassem completos estranhos um para o outro.
Tal temor, de ter uma vida pessoal e conjugal resumida a brigas e distanciamento, se faz presente em determinado momento do comunicado de Sandy e Lucas:
"Com altos e baixos, às vezes mais felizes, às vezes menos, mas sempre inteiros e dispostos a fazer o nosso melhor... Não houve briga, mágoa, traumas... a gente conseguiu enxergar que esse era o melhor caminho e vamos deixar de ser um casal da mesma forma que a gente foi um: com muito amor, respeito e amizade infinita," escreveram Sandy e Lucas.
No campo da especulação, podemos supor que Sandy e Lucas, ao tomarem contato com a trágica história de Ivan Ilitch, entenderam que viveram momentos extraordinários, mas que permanecer juntos por uma questão externa e simbólica poderia jogá-los na infelicidade suprema que Ivan vivenciou.
Por fim, "A Morte de Ivan Ilitch" é um livro visceral - e que graças à tal especulação voltou à lista dos mais vendidos - e que dialoga com a ideologia desenvolvida por Tolstói na segunda etapa de sua vida - que fica conhecida como "anarquia cristã" -, que visa uma vida ascética e respaldada na liberdade e distante da hipocrisia social.