LITERATURA BRASILEIRA

Leia capítulo de Madame Flaubert, a história de Madame Bovary transportada para os anos Collor

Trecho do romance de Antonio Mello

Créditos: Reprodução da capa do livro
Escrito en CULTURA el

Em 2013, foi publicado pela Publisher, editora da Fórum, meu romance Madame Flaubert. Nele, um aspirante a escritor (mas que também aspirava outras coisas e bebia e fumava) tenta escrever um romance tão preciso quanto o de Flaubert.

Para isso, Antônio C. transporta Emma e Charles Bovary (Ema e Carlos B. em seu romance) para o Rio de Janeiro. Toda a ação se passa no período entre a vitória de Collor e seu impeachment.

Neste capítulo, a Ema Bovary de Antônio C. revive a cena da Madame Bovary original na festa do castelo de Vaubyessard. Na atualização de Antônio C. a festa é na antiga embaixada de Portugal, em Botafogo.
 

10.

Para algumas pessoas, o melhor da festa é esperar por ela. Não para Ema. Definitivamente. Se a espera a deixou com febre e calafrios, a recepção, seguida de um baile, na antiga embaixada de Portugal, na rua São Clemente, levou-a ao delírio. Há muito não sentia todas aquelas emoções a um só tempo em seu corpo. Algumas vezes estava quente, sentia-se arder, imaginava possível acender um cigarro com o toque de sua pele. Outras, ao contrário, um frio descia pela espinha, ela sentia seu corpo congelar-se, do centro para as extremidades. Várias vezes teve vertigens. Mas nessas horas, como que só para servi-la - ela chegou a pensar que isso estivesse realmente acontecendo -, havia sempre um garçom solícito, uma taça de vinho, água Perrier... E também a dança. Após a apresentação da orquestra de câmara, houve o baile - em homenagem a o quê, ou a quem? e o que importa?... - e Ema não se cansou de dançar. Até mesmo o primeiro-ministro - ah, era ele o homenageado! -, um homem casado - como ela -, deixou a mulher de lado - como ela deixou o marido - e tirou-a para dançar. 

Ela saboreava cada instante daqueles. Mexia e ajeitava o colar, colocando o rubi corretamente em relação ao centro do pescoço, fazendo gestos de cansaço e excitação, que pareciam estar agradando em cheio aos burgueses presentes à recepção. Olhavam para ela e percebiam que ali estava alguém que parecia realmente se divertir com aquilo tudo. Não era um negócio, um sorriso pró-forma, uma simpatia de conveniência, mas uma felicidade que saía pelos poros, suava e tornava ainda mais atraente o perfume que ela usava. 

Muitos se insinuaram, tentaram uma abordagem mais íntima. Mas não era nada daquilo o que Ema queria quando comprou o vestido. Não era nada daquilo o que ela queria quando escolheu o colar. Nenhum daqueles homens. Nenhuma das personalidades. Mas a festa, o momento só dela, brilhar, brilhar, ser feliz, subir e realizar seu destino, como a borbulha numa taça de champanhe. Será que alguém entendia isso? Além do mais, após a conversa com “o Fernando” e o convite para a cerimônia de posse em Brasília, a recepção era apenas o primeiro degrau da longa escadaria que vislumbrava à sua frente e que a levaria da vida que vivia havia tempos para o mundo que imaginava desde criança, e para o qual se preparara como que para um baile.

Já para Carlos B. tudo aquilo era tremendamente maçante. Não tinha sensibilidade alguma para apreciar uma orquestra de câmara. Nem os convidados. Aquelas pessoas engomadas não lhe diziam nada. Nem ele a elas. Retirou-se com um copo de água para o jardim, e teve vontade de ficar por ali, conversando com os motoristas e exibindo o copo com água, que enfatizava sua vitória sobre o álcool. Mas pensou que Ema ficaria furiosa com isso e tratou de voltar para o salão, movimentando-se como uma mariposa em volta da luz.

Ema, a luz, brilhava intensamente e saboreava cada instante, como se aquele fosse o último domingo de suas eternas segundas-feiras.

A saída do baile já não foi tão gloriosa. Fora dos salões, na rua, fazia frio, e Carlos B. temia que a mulher ficasse doente. Parecia pálida. Pôs a mão em sua testa, ela ardia.

— Ema, você está com febre! Ponha o meu paletó.

A festa para ela já havia acabado. Não se importou que ele cobrisse seu corpo com o paletó, estragasse o arranjo do vestido com o colar. Sentia como se o chão faltasse sobre seus pés. Flutuava nas nuvens, onde havia se colocado. Abraçou-se com o paletó, como se ele fosse não um objeto de vestuário, mas os braços, o corpo de alguém muito especial – “ele”. 

Difícil para ela foi entrar, com nuvens e tudo, no Chevette 82. Fim de festa.

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Obs:

1. Há uma página francesa dedicada ao romance de Flaubert. Neste link, você acessa todo o manuscrito original do romance, com as anotações do autor. É uma maravilha.

2. Se você se interessou pelo meu Madame Flaubert, ainda há exemplares à venda na internet, basta pesquisar. Mas se quiser receber um exemplar autografado em sua casa, de qualquer lugar do Brasil, por R$50, escreva pra mim em blogdomello@gmail.com.