LEMBRANÇAS

EXCLUSIVO – Um mês sem Jô Soares: Derico e Tomati contam histórias vividas com o artista

Dois dos principais integrantes do “Sexteto do Jô” relembram com carinho e gratidão os muitos anos de convivência com o humorista

Derico sobre Jô Soares: "Um grande incentivador".Créditos: Reprodução/Instagram
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No dia 5 de agosto de 2022, a cultura brasileira perdia uma parte significativa de irreverência e genialidade. Jô Soares era um artista múltiplo. Desfilava seu talento como humorista, ator, diretor teatral, escritor, dramaturgo, apresentador, jornalista, músico e mais o que quisesse ser.

Sua morte, sem dúvida, deixou o país mais pobre, especialmente no aspecto cultural, tão maltratado pelo atual governo. Para marcar um mês da morte de Jô, a Fórum conversou com Derico e Tomati, dois dos principais integrantes do “Sexteto do Jô”, banda que se tornou, ao longo dos anos, uma das atrações do “Programa do Jô”.

O saxofonista e flautista João Frederico Sciotti, ou simplesmente Derico, trabalhou com Jô por um período de 28 anos, dos quais 11 no SBT e 17 na TV Globo. O músico resume seu sentimento com a perda do amigo: “Em 25 de abril de 2012, enterrei meu pai. Em 5 de agosto de 2022, enterrei de novo”.

“A banda teve um papel fundamental na realização, no sucesso e no desenvolvimento do programa, pois era um espetáculo multifacetado, com entrevistas, humor, entretenimento, informação e muita música. Nós fazíamos parte desse contexto e o Jô contava com a gente, com nossa participação efetiva. Tudo natural, orgânico, onde cada um de nós tinha espaço, nossa participação”, destaca Derico.

O músico ressalta a importância do amigo em sua trajetória tanto artística quanto pessoal: “O Jô foi um grande incentivador, uma pessoa que cuidava muito bem de seus parceiros, de sua equipe e eu me enquadro nesse grupo. Fui muito bem tratado por ele, sempre tive todo o apoio dele para minhas ações dentro e fora do programa. Muita coisa que aprendi na vida devo a ele, muito do que sou profissionalmente devo a ele. Ele realmente foi um grande incentivador da cultura no país, um artista que soube muito bem valorizar sua arte e seus colegas”.

Como não poderia deixar de ser, Derico relembra algumas das muitas histórias bem-humoradas vividas com Jô.

“Difícil citar apenas uma passagem em 28 anos de convivência. Foram várias: comi minhoca, grilo frito, gambá, tomei leite de jacaré, fui depilado, lutei MMA com o Rodrigo Minotauro, levei chicotada da Tiazinha, entrei em câmara hiperbárica, passei por uma terapia relaxante com pedras vulcânicas, deitei com um tigre asiático, fora eu ter feito paródias cantando vestido de Liza Minelli, Raul Seixas, Ney Matogrosso, Carmem Miranda, Alcione, Elton John, Gal Costa. Minha vida não foi nada mole não”, brinca o músico.

Nos últimos tempos, Jô se mantinha isolado. Derico revela que seu contato com ele depois do final do programa, em 2016, sempre foi via telefone e WhatsApp. “Nos falávamos, eu pedia conselhos a ele sobre meus novos projetos, procurava saber dos dele, de suas peças, seus textos. A gente sempre se deu muito bem.”

“O Jô representa a cultura sonhada pelo país”, diz Tomati

Outro integrante do “Sexteto” que não esconde sua admiração e gratidão por Jô é o guitarrista Carlos Nascimento, o Tomati.

Acho que o Jô representa a cultura sonhada pelo país. A gente gostaria de ser um pouquinho Jô Soares, como faz?! Boa educação, viagens, leitura, trabalho, humor, gentileza, respeito, amizade, dignidade. Ele mostrou tudo isso pra gente trazendo conhecimento e alegria para todos através da maneira bem-humorada de fazer críticas políticas, de entrevistar famosos e anônimos tratando todos por ‘Você’, trazendo música, se divertindo com os músicos e criando espaços para desenvolver seus talentos, sem medo de ser feliz. Eu sempre fui fã do Jô. Desde a infância. Considero o Jô como meu padrinho. Ele me chamava de ‘Tomatinho, meu filho’”, conta o músico.

Tomati passou a fazer parte do antigo “Jô Soares Onze e Meia” ainda no SBT em 1998, no lugar do falecido Rubinho. “Em 2000, fomos para a Globo, o ‘Programa do Jô’, e lá fiquei até 2015. Voltei em 2016, a convite do Jô para fazer uma participação especial na gravação do último programa junto ao Ziraldo”, lembra.

“O Rubinho era um guitarrista que não falava nada no show. O Jô disse que quando eu entrei, minha guitarra trouxe uma energia diferente para a música do quinteto, na época sem trompete. ‘Sua guitarra tem jazz, tem rock e eu adoro’, dizia. Falou que a plateia reagiu diferente e que eu tinha um jeito divertido que ele curtiu. A primeira vez que fui tocar no programa pareceu que nossos humores se identificaram e a gente morreu de rir. Acho que depois da minha entrada no talk show, sentindo essa afinidade também pela comédia além da música, o Jô resolveu criar esquetes com a banda e não parou mais. Viramos os músicos ‘trapalhões’, naturalmente”, destaca Tomati.

O guitarrista também ressalta a importância do apresentador para sua vida e para a cultura do país.

“Quando o Jô me chamou para trabalhar com ele eu estava indo morar nos Estados Unidos, onde moro hoje, por falta de perspectiva na minha carreira de guitarrista no Brasil, tocando jazz-rock instrumental. O Jô me deu a oportunidade de mostrar meu trabalho para o mundo, conhecer e interagir com ele e meus outros ídolos, da música, cinema, teatro, TV, esporte, jornalismo etc., além de aprender com ele a ser uma pessoa melhor, através de atitudes, críticas, broncas, dicas e elogios”, aponta.

Tomati classifica seu contato com Jô como “uma faculdade de TV e comunicação de 17 anos, aprendendo sobre posicionamento no palco e de câmeras, figurino, maquiagem, cenário, iluminação, sonorização, ‘timing’ de comédia e tudo mais que envolvia a produção dos talk shows do Jô. Tive a oportunidade de colaborar com três arranjos no CD histórico que gravamos 'Jô Soares e o Sexteto', do qual me orgulho muito”.

Jô e Tomati: "Ele me deu a oportunidade de mostrar meu trabalho para o mundo"

O guitarrista também faz questão de contar algumas histórias engraçadas vividas com Jô.

“Eu adorava ensaiar na casa dele. Uma vez ele chamou a gente para ensaiar o show do CD num sábado à tarde. A gente reclamou por ser no final de semana e ele convenceu a gente com o seguinte argumento: ‘Eu tenho uma coleção imensa de discos de vinil. Se vocês forem ensaiar no sábado eu deixo vocês escolherem uns pra vocês’. Daí, na hora de escolher os discos, ele falou ‘Esse aqui é do Tomati’ e me deu o vinil selado A Love Supreme, do John Coltrane (saxofonista e compositor de jazz estadunidense). E mais algumas raridades. Depois disso, a gente é que cobrava os ensaios aos sábados e ele ria e dizia: ‘Vocês querem é mais discos’.

Tomati relata que seu último contato com Jô foi por meio de e-mail, quando precisou de uma carta de recomendação para a imigração dos Estados Unidos, em 2019.

“Depois, a correria cotidiana e a dedicação aos nossos projetos diversos tomaram conta e assim foi. Para mim, a notícia da morte do Jô foi um grande choque, porque eu nem sabia que ele estava no hospital”, acrescenta.

“Ainda estou muito triste com a partida do Jô. Peço desculpas aos fãs por não conseguir gravar uma mensagem até agora. Fui convidado por várias emissoras para prestar uma homenagem, mas não consegui gravar um vídeo sem chorar e achei melhor não enviar ou postar nenhum deles. Ficava ouvindo o Jô me falando: ‘Assim, as pessoas vão se matar em casa de tanta tristeza’. Então, fiz um post na minha rede social com uma foto divertida. A partida de uma pessoa amada é sempre muito triste, mas sempre que lembrarmos, ela se faz presente, como aqui, agora. O Jô nos deu muita alegria e assim deve ser lembrado sempre. Viva o Gordo! Beijo do Gordo!”, completa Tomati.